Mãe, mulher e ativista, a palestina Madlin (que preferiu não informar o sobrenome) perdeu a irmã e a sobrinha em bombardeios israelenses na Faixa de Gaza, alvo de um cerco reforçado e de uma campanha militar israelense após o 7 de outubro, quando o grupo terrorista Hamas deixou quase 1,2 mil mortos e fez quase 240 reféns ao atacar o sul de Israel. Desde então, mais de 30 mil morreram no enclave, em sua maioria mulheres e crianças, segundo o Ministério de Saúde do território, administrado pelo Hamas.
Com o conflito, Madlin viu-se forçada a se separar de sua família duas vezes. Na primeira, deixou a filha Zeina, de 12 anos, com seus pais no campo de refugiados em Khan Younis, no sul do enclave. Pouco tempo depois, acabou sozinha em Deir al-Balah, na área central de Gaza, enquanto o marido e a enteada ficaram em Az Zawaida, na mesma região — com Zeina e seus pais se juntando a eles em seguida.
Apesar das dificuldades em meio à guerra, foi através da ONG internacional Women for Women, com sede em Washington D.C. e que também atua em locais como Afeganistão, Iraque, Síria, Nigéria e Sudão do Sul, que Madlin viu a chance de advogar pelos direitos das mulheres de Gaza, algo pelo qual sempre buscou lutar.
Seu envolvimento com o ativismo começou quando um ataque aéreo israelense matou Rushdi al-Saraj, jornalista que colaborava com a ONG, logo no início do conflito. Madlin, que pouco tempo antes da guerra trabalhava como apresentadora de rádio, foi convidada a assumir o posto e passou a atuar como correspondente na região onde se refugia no momento, segundo a diretora da organização na Palestina, Amani Mustafa.
— Tem sido muito difícil ligar para parceiros, encontrar equipes, planejar intervenções e concordar com as próximas ações. Este não é um conflito comum. Toda comunicação foi interrompida. Todas as fronteiras com Israel e Egito foram fechadas, e as necessidades são enormes, especialmente no norte de Gaza — explica a diretora.
Ao GLOBO e com a ajuda de Amani como intérprete do árabe, Madlin relatou a experiência de ser uma palestina ativista em meio a um conflito:
“Durante a guerra, como muitas palestinas, fui deslocada à força, deixando tudo para trás. Meus pais estavam fora do enclave havia um ano e meio por razões de saúde e voltaram duas semanas antes da guerra. Em 7 de outubro, os convidei para o almoço, mas tragicamente tive de abandonar tudo — meus sonhos, minha casa e tudo o que construí ao longo dos anos.
Fomos deslocados para Az Zawaida, na região central, enquanto meus pais e Zeina foram para Khan Younis. Minha irmã Maram e seu marido ficaram na área de al-Zaytoun, e minha irmã Riham e sua família permaneceram no campo de refugiados de al-Shate.
Em 17 de outubro, coincidindo com o aniversário de Zeina, um bombardeio atingiu a casa de minha irmã Maram e matou minha sobrinha Youmna, de apenas quatro meses — ela era o primeiro bebê da minha irmã depois de uma gravidez difícil.
Minha irmã ficou gravemente ferida, e só consegui falar com ela nove dias depois, após várias tentativas frustradas. Foi nossa última conversa. Depois de um tempo, recebi uma mensagem do telefone de Maram, enviada por sua cunhada, afirmando que minha irmã e outras três pessoas de sua família haviam morrido. Sem um adeus adequado, Maram foi enterrada em 28 de outubro.
Apesar desse imenso sofrimento, decidi voltar ao trabalho e ampliar as vozes das mulheres.
Enormes desafios surgem quando você é deslocada, forçada a dormir nas ruas ou em tendas, sem acesso à água e enfrentando a menstruação sem absorventes higiênicos — um dilema compartilhado por inúmeras mulheres em Gaza. Além dos múltiplos deslocamentos, elas enfrentam, juntamente com suas famílias, a falta de alimentos essenciais.
O mundo não se compadece da mulher palestina, cuja privacidade e direitos têm sido repetidamente violados. Então, para informar o mundo sobre Gaza, decidi destacar não apenas os desafios enfrentados pela região, mas também aqueles vivenciados pelas mulheres.
Em sua busca por segurança, alimentos e água, ficam sujeitas a assédio sexual. O conflito alterou seus sonhos e vozes, sendo sua preocupação principal suas famílias — elas priorizam os outros em detrimento de si mesmas. As mulheres palestinas suportam uma realidade angustiante, mas continuam a enxugar suas lágrimas enquanto protegem e salvam os outros.
Tenho o desejo de representar as mulheres palestinas em todos os fóruns [internacionais]. Elas não querem que suas palavras fiquem confinadas à mídia; anseiam por se dirigir ao mundo e compartilhar suas histórias ao lado de inúmeras outras. Elas lutam para ser a voz dos sem voz e ter uma plataforma para se expressar.
Manifestar a profundidade das minhas emoções [como correspondente] é desafiador. Um dos meus embates pessoais é testemunhar a coleta de corpos em sacos plásticos — são momentos incrivelmente difíceis de suportar. E a perda da minha irmã é uma dor indescritível que carrego. Receio que ainda haja muita dor a ser desenterrada no rescaldo da guerra.” ( o Globo )
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