Suprema Corte dos EUA mantém acesso à pílula abortiva por unanimidade

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A Suprema Corte dos Estados Unidos manteve, nesta quinta-feira, o amplo acesso à pílula abortiva no país, rejeitando a tentativa de um grupo de organizações e médicos antiaborto de anular a aprovação da medicação pela FDA (agência sanitária americana). Em uma decisão unânime, todos os nove juízes concordaram que os autores da ação não tinham legitimidade para contestar o órgão regulador.

“Reconhecemos que muitos cidadãos, incluindo os médicos demandantes aqui, têm preocupações e objeções sinceras aos que usam mifepristona e realizam abortos”, disse o juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh. “Mas os cidadãos e os médicos não têm legitimidade para processar simplesmente porque outros estão autorizados a realizar determinadas atividades.”

A medida, no entanto, não descartou a possibilidade de que outros demandantes — principalmente os estados — possam contestar o acesso à mifepristona, pílula utilizada na maioria dos abortos no país, em outras instâncias.

A decisão da Suprema Corte remonta a um processo do ano passado, quando um juiz de um tribunal distrital no Texas — nomeado pelo então presidente Donald Trump — proibiu o acesso a medicamentos abortivos após o coletivo antiaborto questionar mudanças implementadas pela FDA que permitiram a compra das pílulas com receitas obtidas via telemedicina, além do seu envio pelos correios. A ação contestava a segurança da mifepristona, aprovada há mais de duas décadas pela agência sanitária.

Posteriormente, um tribunal de recursos anulou o veto ao medicamento sob a alegação de que o prazo para contestar a FDA havia expirado. A mesma instância, no entanto, instituiu uma série de restrições à pílula abortiva: o prazo máximo para usá-la foi reduzido de 10 para sete semanas de gestação, a prescrição em consultas presenciais voltou a ser obrigatória e a entrega por correio foi proibida.

O parecer da Suprema Corte desta quinta-feira suspende todas essas restrições. No entanto, foi o próprio tribunal que abriu margem para contestações do tipo quando revogou, há quase dois anos, o direito ao aborto a nível nacional, estabelecido há meio século no caso Roe vs. Wade. Desde então, cerca de 20 estados proibiram ou restringiram parcialmente o aborto. No ano passado, 171 mil pessoas precisaram viajar para interromper sua gestação em regiões onde o procedimento ainda é permitido.

No olho da eleição

O direito ao aborto é uma das principais agendas em disputa nas eleições de novembro. Antes da votação, o governo do presidente democrata Joe Biden havia pedido ao tribunal para que mantivesse o acesso ao medicamento.

“A decisão de hoje não muda o fato de que a luta pela liberdade reprodutiva continua”, disse Biden em um comunicado após o resultado. “Os ataques ao aborto medicamentoso fazem parte da agenda extremista e perigosa de autoridades republicanas eleitas para proibir o aborto em todo o país.”

Ao New York Times, assessores disseram que Biden planeja abordar a questão no primeiro debate presidencial, programado para o final deste mês, contrastando seu apoio irrestrito com a posição de Trump de que a política deve ficar a cargo dos estados.

Para analistas ouvidos pelo Times, a recente decisão permitiu que os republicanos se esquivassem de uma questão controversa em meio à corrida eleitoral. Uma limitação ainda maior ao acesso teria dado aos democratas mais um motivo para atacar seus adversários em um ponto politicamente sensível aos republicanos.

Até o momento, Trump não declarou sua posição sobre as pílulas abortivas, em busca de um equilíbrio que não desagrade os eleitores e nem o seu partido, que há décadas se opõe ao procedimento. Sua campanha não comentou imediatamente a decisão da Suprema Corte.

O aborto via pílulas abortivas foi responsável por 63% das interrupções de gestações no país no ano passado, contra 53% em 2020, segundo dados do Instituto Guttmacher. Pesquisas apontam que a maioria dos americanos apoia o acesso ao aborto seguro, embora se divida sobre a compra de pílulas sem receita médica.

— Trump e seus aliados estão preparando o terreno para proibir o aborto medicamentoso em todo o país — disse Mini Timmaraju, diretora executiva da organização Liberdade Reprodutiva para Todos, uma organização de direitos ao aborto americana.

A ativista culpou o ex-presidente — que nomeou três dos juízes conservadores da Suprema Corte — por garantir a maioria necessária para derrubar o caso Roe vs. Wade.

Apesar da vitória ao movimento pelos direitos reprodutivos, é improvável que a decisão acabe com os esforços para restringir as pílulas abortivas. Missouri, Kansas e Idaho — todos estados com procuradores-gerais republicanos — contestam o medicamento na primeira instância e podem reviver o litígio futuramente.

 ( o Globo )

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Da Redação

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