Israel afirma ter matado o chefe do movimento xiita libanês Hezbollah, Hassan Nasrallah, em um ataque massivo contra o quartel-general do grupo em Dahiyeh e vários locais no subúrbio sul de Beirute, na sexta-feira. Uma fonte próxima do movimento disse que o contato com o líder está perdido desde sexta, e uma fonte afirmou à agência de notícias Reuters que o Irã, aliado do Hezbollah, está em contato com o grupo para determinar “os próximos passos” após a morte da liderança. Apesar disso, o Hezbollah ainda não confirmou a morte do líder.
Sayyed Hassan Nasrallah nasceu em 1960 e se tornou um clérigo após estudar em seminários xiitas no Irã e no Iraque. Há diversas informações desencontradas sobre o local do seu nascimento. O site oficial do Hezbollah diz que ele nasceu no vilarejo de al-Bazouriyeh, no sul do Líbano, nos arredores da cidade de Tyre. Outras fontes, porém, afirmam ter sido em Bourj Hammoud, no leste de Beirute.
Filho mais velho entre os oito dos seus pais, ele cresceu em Beirute e desde cedo se interessou pelo estudo do Corão, embora sua família não fosse muito religiosa. Muito influenciado pelo clérigo xiita Sayyid Hussein Fadlallah, ele começou a assistir a sermões antes mesmo de completar dez anos. Fadlallah era devoto do Wilayat al-Faqih central ao pensamento xiita contemporâneo e um dos mandatos da Sharia, a lei islâmica. A doutrina defende que, até o reaparecimento de uma “ímã infalível”, sucessor do profeta Maomé, o sistema político deve ter tutelado por um jurista xiita justo.
No início da Guerra Civil Libanesa, em 1975, Nasrallah e sua família fugiram da capital para Bazouriyeh, um reduto do Partido Comunista Libanês cuja a forte atmosfera política despertou o interesse dele. Ainda adolescente, ele organizava leituras do Islã entre os moradores do vilarejo e ingressou do Amal, partido político xiita que existe até hoje no país. Com apenas 15 anos, a legenda o nomeou representante do vilarejo.
Após concluir o ensino médio, ele viajou para a cidade sagrada xiita de Najaf, no Iraque, para se tornar clérigo, ficando lá até a expulsão de estudantes clericais pelo regime de Saddam Hussein, em 1978. Naquele mesmo ano, depois de voltar para casa, se casou com Fatima Mustafa Yassine, com quem teve cinco filhos — um deles, Mohammad Hadi, foi morto em 1997 pelas Forças Armadas israelenses.
Em 1980, se tornou representante do Vale do Bekaa pelo Amal. No entanto, Nasrallah deixou deixou o partido apenas dois anos depois, depois da invasão do Líbano por Israel, em reação à aliança de empresas do partido com grupos cristãos que lutavam ao lado dos israelenses. Ele e os desertores do partido uniram-se à União Libanesa de Estudantes Muçulmanos e outros membros de grupos xiitas para fundar o Hezbollah.
Nesse período, ainda devoto da doutrina Wilayat al-Faqih, Nasrallah passou a defender a transformação do Líbano para que tornasse parte de um Estado Islâmico maior, governador pelo líder supremo do Irã, que havia acabado de adotar um regime xiita durante a Revolução Islâmica de 1979 — posição defendida até hoje por ele e pelo Hezbollah.
Na década de 1980, Nasrallah foi subindo rapidamente nas fileiras do Hezbollah ao se mostrar um ótimo combatente e comandante de guerrilha. Em 1987, ele retomou os estudos clericais, dessa vez em Qom, no Irã. Os laços com o país persa se fortaleceram durante o período em que esteve em Teerã atuando como representante do movimento libanês, entre 1989 e 1991.
Antes de se tornar líder do grupo, em 1992, Nasrallah voltou ao Líbano um ano antes para chefiar o Conselho Executivo do Hezbollah. Ele assumiu o comando do movimento após o assassinato de seu antecessor, Sayyad Abbas Musawi, por Israel. Ele é o terceiro secretário-geral do Hezbollah e sua figura política e religiosa mais conhecida, tornando-se também uma das personalidades xiitas mais poderosas do Oriente Médio.
Aos 64 anos, Nasrallah liderou o Hezbollah durante a segunda metade da ocupação israelense do Líbano, que acabou em 2000 com a saída das tropas de Israel — movimento que foi considerado uma vitória para o grupo. Sob seu comando, o Hezbollah passou de um grupo armado desorganizado para uma força militar, política e institucional poderosa dentro do Líbano.
Nasrallah tornou o Hezbollah no maior partido político da História recente do Líbano. Nas eleições parlamentares de 2018, a legenda obteve mais de 340 mil votos, a votação mais expressiva desde a independência do país. Embora o Hezbollah e seus aliados tenham perdido o controle do Parlamento nas eleições de 2022, ele ainda detêm a maior parte das cadeiras.
Do ponto de vista militar, Nasrallah revelou em 2021 que o grupo tinha 100 mil combatentes, incluindo membros da unidade de elite Força Radwan, que serviu na Guerra Civil Síria. Tamanho contingente coloca o grupo como a maior milícia do mundo, embora alguns analistas estimem o número real de integrantes em cerca de 30 mil. Seu arsenal conta com milhares de drones, foguetes e mísseis de precisão capazes de penetrar todo o território israelense, além de uma complexa rede de túneis subterrâneos.
Nasrallah, cujo sobrenome significa “vitória por meio de Deus”, é conhecido por seus discursos longos e bombásticos. Seus seguidores o chamam de “O Sayyed” ou “Abu Hadi” — em árabe, pai de Hadi, seu filho que foi morto em confrontos com tropas israelenses em 1997.
Um de seus pronunciamentos mais impactantes ocorreu durante a guerra de um mês que Hezbollah e Israel travaram em 2006: três dias após o início do conflito, ele estava falando no ar com o canal al-Manar do Hezbollah e disse que as surpresas que havia prometido estavam prestes a começar. Ele pediu para a população olhar para o Mediterrâneo, quando um navio de guerra israelense foi alvejado na hora.
— Vejam ele queimar — disse na ocasião.
Um dos principais objetivos do Hezbollah, de acordo com seu manifesto de 1985, é a destruição de Israel. Sob o comando de Nasrallah, o Hezbollah intensificou o conflito com o Estado judeu em diferentes ocasiões, a última um dia depois após o ataque terrorista do Hamas, em 7 de outubro.
Embora o Hamas seja sunita e o Hezbollah seja xiita — e os dois grupos tenham discordado em outros conflitos na região — eles compartilham uma causa comum na oposição a Israel. Ambos os grupos foram classificados como organizações terroristas pelos Estados Unidos e recebem apoio do Irã.
( o Globo )
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