Puberdade aos 4 e menopausa aos 16: conheça o caso raríssimo de jovem do Maranhão

Estimated read time 11 min read

A estudante Julia Micaelly Ribeiro Carvalho, 20 anos, de Pedreiras, Maranhão, tinha apenas 4 anos de idade quando percebeu que o seu corpo era diferente das meninas da sua idade. “Tinha um suor forte debaixo do braço, começou assim”, lembra, em entrevista exclusiva à CRESCER. Pouco depois, reparou que começaram a crescer pelos nas axilas e na região íntima.

Julia foi diagnosticada com menopausa precoce aos 16 anos — Foto: Arquivo pessoal

Julia foi diagnosticada com menopausa precoce aos 16 anos — Foto: Arquivo pessoal

Os pais também repararam as mudanças no corpo da filha, mas, por falta de informação, acabaram não buscando ajuda. “Os sintomas não passavam, na verdade, só pioravam. Comecei a usar desodorante muito cedo por conta disso”, lembra. O que eles não sabiam era que a filha estava entrando na

Quando tinha 7 anos, uma das mães de uma colega conversou com a mãe de Julia, sugerindo que levasse a menina em um endocrinopediatra, médico que cuida dos hormônios das crianças. “A endócrino passou muitos exames, um de idade óssea, um ultrassom para ver a questão dos ovários e folículos… E olha só, eu estava a ponto de menstruar já com apenas 7 anos”, afirma. “A médica também falou que a minha idade óssea era de 12 anos, meu osso já tinha esticado bastante, o que não era bom”, acrescenta.

Corrida contra o tempo

 

A médica orientou que Julia começasse o tratamento para atrasar a puberdade precoce o mais rápido possível. “A gente foi atrás de conseguir a medicação pelo SUS. Foi uma corrida contra o tempo. Mas deu tudo certo por conta da urgência do meu caso, então foi tudo muito rápido e comecei o tratamento certinho com a medicação, que era por injeção”, diz.

Embora soubesse que era para o seu bem, nenhuma criança gosta de tomar injeção. Receber o medicamento era sofrido para Julia. “Eu fiquei arrasada, porque era injeção e doía muito. Eu tomava um dia e passava dois dias com o bumbum ainda dolorido. Era horrível. Toda vez, eu chorava e falava que não queria”, lamenta.

Julia precisou fazer o tratamento até os 11 anos, quando, finalmente, não precisou mais adiar a puberdade e pôde menstruar. “Foram anos dessa chateação. Meu pai ficava pelejando, era ele que aplicava, porque era enfermeiro. Toda vez, eu chorava e eu falava que não queria”, diz.

Menopausa cirúrgica

 

Julia foi levada ao hospital às pressas após o cisto romper — Foto: Arquivo pessoal
Julia foi levada ao hospital às pressas após o cisto romper — Foto: Arquivo pessoal

Aos 16 anos, Julia enfrentou outro desafio: entrou na menopausa precoce após retirar os ovários devido a um cisto hemorrágico. “Eu não tive sintomas. Geralmente, quando a mulher está com cisto no ovário, ela sente sintomas antes, principalmente esses que são hemorrágicos. A menstruação atrasa, ela sente dor na região pélvica, tem um sinal. Eu não tive nada. O cisto foi muito silencioso, não deu sinal nenhum, minha menstruação vinha todo mês, eu não sentia cólicas fortes… nada”, diz.

Ela nunca suspeitou do cisto até que, um dia, ele rompeu. “Foi muito agressivo. Quando rompeu, o ovário rompeu junto. Minha barriga estava lotada de sangue. Eu tive uma hemorragia interna muito intensa”, recorda. Julia foi levada ao hospital às pressas e passou por uma cirurgia de emergência. Quando o cirurgião a abriu, viu que o ovário direito também estava comprometido e teria que ser retirado. “Quando ele encostou no ovário, ele rompeu. O esquerdo rompeu dentro de mim e o direito na mão do cirurgião”, explica.

Segundo Julia, os médicos não descobriram por que o cisto se formou e como se desenvolveu tão rápido. “Depois que menstruei aos 11 anos, segui fazendo acompanhamentos com ultrassom até os 13 anos, para ver se estava tudo bem com os meus ovários e folículos e nunca teve nada. Foi questão de três anos para esse cisto se desenvolver e me destruir desse jeito”, ressalta.

Ela não foi diagnosticada com nenhuma outra condição que poderia estar associada ao cisto, como endometriose. Fizeram biópsia e também não era câncer. “Não teve um motivo claro por que ele apareceu, cresceu tanto de forma agressiva sem ninguém ver e se rompeu”, diz.

‘Eu me senti muito sozinha’

 

Quando recebeu a notícia de que havia perdido os ovários, a primeira coisa que passou pela sua cabeça foi o medo de não conseguir ser mãe, que era um grande sonho. “Senti muito forte a questão da gravidez. Estava confusa, mas a única coisa que tinha certeza era que, antes, eu podia engravidar e, agora, eu não conseguia mais”, diz.

Mas tinha uma outra consequência da ausência dos ovários que ela não esperava: a entrada na menopausa precoce. “Na hora que a médica falou em menopausa, eu me espantei, não entendia o que uma coisa tinha a ver com a outra. O meu tipo é considerado menopausa cirúrgica ou menopausa induzida, quando algum procedimento cirúrgico resulta na perda dos ovários. Pode acontecer em qualquer idade, porque não é a menopausa que ocorre naturalmente como corpo”, explica.

“Quando o sistema reprodutor para de funcionar, vem a menopausa. No caso, isso aconteceu porque os ovários, que são os pilares do sistema reprodutor, foram removidos”, afirma Julia. Não foi nada fácil para ela receber essa notícia. “Eu fiquei muito transtornada. Pensava que ia ter que lidar com essa menopausa pelo resto da minha vida. Uma coisa que era para eu lidar com uns 55 anos, eu estava lidando com 16”, conta.

Segundo ela, também não recebeu um bom amparo na época. “Eu nunca tinha ouvido falar, não conhecia ninguém que tinha passado por isso, com quem eu pudesse conversar. Os médicos também não sabiam lidar direito. Eu me senti muito sozinha”, lamenta.

Do desequilíbrio emocional aos fogachos

 

A médica disse que Julia iria começar os tratamentos logo em seguida e mal sentiria os sintomas da menopausa. Mas não foi bem assim. Quando o corpo começou a processar a falta dos hormônios produzidos pelos ovários, os sinais começaram a aparecer. “O primeiro sintoma foi o desequilíbrio emocional. Era uma coisa surreal. É como se fosse um dia péssimo da TPM, só que mil vezes pior. Era um sentimento de angústia tão grande no meu peito que parecia que eu ia morrer”, diz.

“Era uma ansiedade que eu nunca tinha sentido antes na minha vida. Um medo até de dormir sozinha. Era um medo que eu tinha de morrer. Nem eu conseguia me entender”, acrescenta. Ela também se sentia muito estressada e chorava o tempo todo. “Eu nem saia de casa. Ficava só chorando, ou zangada, ou querendo ficar no meu canto, sem falar com ninguém. Era horrível”, recorda Julia.

Em seguida, um outro clássico sintoma da menopausa começou a se manifestar: os fogachos, as sensações súbitas de calor intenso no corpo. “É como se você estivesse borbulhando por dentro. Você sente tanto que está queimando por dentro que você fica quente, suando muito. Era coisa de eu ficar desesperada”, destaca.

Segundo Julia, nada ajudava a amenizar o calor. “Ligava o ar-condicionado e ventilador em cima de mim e não passava. Eu ficava embaixo do chuveiro com água fria chorando, porque era um calor que me arrepiava a espinha”, diz. “Eram picos de calor, as crises iam e voltavam. Mas, mesmo assim, foi horrível”, acrescenta.

‘Encontrar o ponto de equilíbrio foi muito dolorido para mim’

 

A jovem logo começou o tratamento com um tipo de anticoncepcional específico para mulheres com menopausa precoce, mas enfrentou várias complicações. “Tive candidíase de repetição, meu útero atrofiou, foram muitas angústias e problemas. Foram mais de dois anos para o meu corpo se adaptar ao tratamento. Encontrar o ponto de equilíbrio foi muito dolorido para mim, fiquei muito estressada e tive transtorno pós-traumático”, afirma.

Outra complicação associada ao tratamento foi o desenvolvimento de um prolactinoma, um tumor, geralmente benigno, que se desenvolve na hipófise, uma glândula localizada na base do cérebro, e produz um excesso do hormônio prolactina. “Começou a sair leite dos meus seios, fiquei confusa e fui no médico, que identificou o tumor. Fiquei desesperada, veio de novo aquela sensação de que ia morrer”, diz.

Mas, seu tumor é benigno e há cerca de dois anos faz tratamento para que ele desapareça. “Agora em outubro, vou fazer outra ressonância pra saber se ele sumiu ou diminuiu. Caso tenha sumido, ótimo! Caso não, meu caso é cirúrgico”, afirma. Ela segue acompanhando de perto o tratamento, para que os médicos façam qualquer alteração se for necessário. Devido ao tumor, Julia ainda não começou com a reposição hormonal.

Sonho de ser mãe

Julia ainda sonha em ser mãe — Foto: Arquivo pessoal

Julia ainda sonha em ser mãe — Foto: Arquivo pessoal

Mesmo com os desafios da menopausa precoce, Julia continua com o sonho de ser mãe e engravidar — e já tem tudo planejado. “Minha mãe, que tinha 38 anos na época, recorreu ao tratamento para congelar os óvulos para doá-los para mim futuramente. Foi um ato lindo. Então, tem oito óvulos congelados me esperando. Todo ano a gente paga uma taxa de preservação”, destaca.

Quando se sentir pronta, pretende fazer uma fertilização in vitro (FIV) utilizando os óvulos doados pela mãe para engravidar. “Eu vou fazer a FIV porque eu ainda tenho o útero, então, eu ainda consigo gestar”, diz. Inicialmente, Julia confessa que teve um pouco de dificuldade em aceitar que não poderia utilizar os próprios óvulos. Mas, hoje não vê mais problema. “Vai ser meu filho do mesmo jeito. Eu não tenho mais relutância com esse assunto de forma nenhuma”, finaliza.

O que é puberdade precoce?

 

Em meninas considera-se puberdade precoce quando ocorre o desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários (pelos pubianos e/ou axilares, desenvolvimento das mamas) antes dos 8 anos. Existem diversas causas, que vão desde fatores ambientais (exposição exógena a hormônios, obesidade, dieta rica em isoflavonas, disruptores endócrinos – encontrados em alimentos, produtos de beleza) até fatores genéticos, traumatismos e tumores.

Os principais sinais incluem:

  • Crescimento acelerado
  • Surgimento do broto mamário
  • Surgimento de pelos nas axilas e na regiao genital
  • Suor e mal cheiro corporal

 

Caso os pais notem estes sintomas, é preciso buscar avaliação médica o quanto antes. O tratamento depende da causa. O mais comum é uma medicação injetável, chamada de analogo do GnRH, que tem como objetivo interromper a progressão puberal, retardar a velocidade de crescimento, a maturação óssea, preservando a estatura final e com isso, minimizando os impactos psicossociais desse desenvolvimento imaturo.

O que é menopausa induzida?

 

No Brasil, a menopausa ocorre em média aos 51 anos, principalmente entre 45 e 55 anos. Considera-se menopausa precoce quando há interrupção da menstruação antes dos 40 anos. A menopausa cirúrgica ou induzida ocorre quando a função ovariana cessa em situações como cirurgias, em que é necessario a retirada dos dois ovários. Também é possível ocorrer em casos de uso de medicações que suprimem a função ovariana, como os proprios análogos do GnRH, quimioterapia ou radioterapia pélvica.

Entre os principais sinais, estão:

  • Fogachos, ondas de calor
  • Alteração do humor, como irritabilidade ou sintomas depressivos,
  • Alteração do padrão do sono (insônia)
  • Diminuição importante da libido
  • Ressecamento vaginal e de outras mucosas
  • Esquecimentos

 

O diagnóstico geralmente é feito a partir dos relatos das próprias mulheres, mas existem exames laboratoriais que podem auxiliar nesse diagnóstico, avaliando dosagens hormonais. O tratamento depende da condição clínica da mulher. É fundamental entender a sua história, idade da menopausa, se tem histórico de doencas como câncer, lupus, entre outros. Dessa forma, é possível indicar ou não o tratamento hormonal.

Fontes: Priscilla Frauches, ginicologista e obstetra da Clínica Mantelli; Adriana Bittencourt Campaner. ginecologista e consultora de colposcopia da Dasa

Relacionadas

Da Redação

+ There are no comments

Add yours

Deixe uma resposta