Após a forte reação negativa à chamada PEC da Blindagem, a tentativa de alterar a Constituição para proteger parlamentares de processos criminais foi rejeitada nesta quarta-feira (24/9) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
Como a rejeição foi unânime, o regimento do Senado estabelece que a proposta já está enterrada e não precisa ser votada no plenário da Casa. Horas depois, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), determinou o arquivamento da matéria.
“Esta presidência, com amparo regimental claríssimo, determina o seu arquivamento sem deliberação de plenário”, anunciou.
Ainda que a proposta de emenda constitucional (PEC) fosse a plenário, a tendência é que seria rejeitada lá também. Segundo uma enquete do jornal O Globo, ao menos 55 dos 81 senadores apoiavam a rejeição da PEC.
A proposta foi aprovada na semana passada na Câmara, gerando críticas nas redes sociais de amplos setores sociais e protestos liderados pela esquerda nas ruas das capitais do país no domingo (21/9).
A PEC previa que processos criminais contra deputados e senadores só possam ser iniciados no Supremo Tribunal Federal (STF) após aval do Senado ou Câmara, em votação secreta.
Hoje, o STF pode iniciar ações penais livremente, e as casas legislativas têm poder de suspender depois os processos, o que não costuma ocorrer.
Para uma proposta de alteração da Constituição entrar em vigor, tem que ser aprovada com texto idêntico na Câmara e no Senado.
Agora, uma nova proposta de mesmo teor só poderá ser apresentada no ano seguinte e teria que ser votada novamente na Câmara.
A CCJ aprovou o relatório de Alessandro Vieira pela rejeição da PEC por 26 votos a favor e nenhum contra.
“A presente PEC teria o real objetivo de proteger autores de crimes graves, como corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, o que configura claro desvio de finalidade e, consequentemente, inconstitucionalidade”, argumentou no relatório.
“Não podemos confundir prerrogativas com proteção àquele que comete crimes. A sociedade brasileira grita em sentido diametralmente oposto, ou seja, ela almeja o fim da impunidade, como as amplas manifestações públicas sinalizaram no último domingo”, continuou.
Durante os debates na CCJ, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) disse que a PEC aprovada na Câmara foi uma reação a uma suposta “blindagem” do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes.
Na sua visão, Moraes cometeu “vários crimes de responsabilidade” e teria que sofrer impeachment no Senado.
“E como nós só vemos parlamentares, com suas opiniões, palavras e votos, sendo perseguidos, é que chegou-se ao ponto de se buscar um remédio constitucional para, no mínimo, essa Casa poder voltar a andar de cabeça erguida, poder falar o que pensa, pra parar um parlamentar de subir na tribuna e ter medo do que fala porque pode ser investigado imediatamente”, argumentou.
A proposta polêmica ganhou aval da grande maioria dos deputados na semana passada. Foram 353 votos a favor e 134 contra, ou seja, uma boa margem acima dos 308 votos necessários para aprovar uma alteração da Constituição.
Os partidos que entregaram maiores percentuais de votos contra a proposta foram PSOL, PCdoB, Rede, Novo e PT.
Ficaram 100% contra as bancadas de PSOL, PCdoB e Rede. Já o Novo, teve 80% de votos contrários, e 20% de deputados que não se manifestaram.
E o PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), teve 76% de votos contra, 18% a favor e 6% que não votaram.
Do outro lado, partidos da direita bolsonarista e do Centrão foram os que mais apoiaram a proposta. PP, Republicanos e PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), deram mais de 90% dos votos de suas bancadas pela aprovação da PEC.
Durante a votação, deputados bolsonaristas defenderam a proposta, argumentando que o STF persegue parlamentares e outros políticos de direita. No início de setembro, Bolsonaro foi condenado por tentativa de golpe de Estado.
“Essa PEC não é a PEC das Prerrogativas, na minha opinião. Essa PEC é a PEC do fim da chantagem, a PEC do fim da perseguição!”, disse, exaltado, o deputado Gustavo Gayer (PL-GO).
“É a PEC da libertação desse Congresso para que a gente possa votar de acordo com os nossos eleitores e não de acordo com a vontade de alguns não eleitos do Supremo Tribunal Federal”, reforçou.
Além do campo bolsonarista, o Centrão, grupo de partidos conservadores, também votou a favor da PEC na Câmara, em um momento que o STF tem apertado o cerco sobre suspeitas de corrupção envolvendo emendas parlamentares — recursos federais que congressistas podem destinar a seus redutos eleitorais.
Moro e senadores bolsonaristas tentaram suavizar PEC da Blindagem
Senadores da oposição ao governo Lula chegaram a propor outra versão da chamada PEC da Blindagem.
Sergio Moro (União Brasil-PR), Ciro Nogueira (PP-PI), Rogério Marinho (PL-RN) e mais dez senadores apresentaram uma emenda para alterar o texto que acabou rejeitado na CCJ. Após acordo, porém, a emenda não foi colocada em votação.
A proposta previa o aval das casas legislativas apenas para abertura de processos envolvendo “crime contra a honra, bem como de qualquer imputação fundada exclusivamente em opiniões, palavras e votos do parlamentar, ressalvado o crime de ameaça”.
Os defensores dessa versão para a PEC argumentaram que ela buscaria proteger a liberdade de expressão dos parlamentares, reforçando o artigo 53 da Constituição, que estabelece o seguinte: “os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”.
No caso dos demais crimes, a proposta previa que a regra atual seria mantida, ou seja, o Supremo teria liberdade para iniciar processos criminais contra parlamentares, enquanto o Congresso poderia apenas suspender uma ação penal após ela ser iniciada na Corte.
A proposta liderada por Moro também previa que as votações para autorizar processos criminais fossem abertas, ou seja, sem voto secreto, como aprovado na Câmara.
“É por meio da voz dos congressistas que a sociedade se faz presente no Parlamento. Assim, qualquer tentativa de cercear essa manifestação, mediante processos judiciais instaurados de forma precipitada ou movidos por interesses externos, compromete não apenas a atuação do representante eleito, mas também o próprio princípio da representatividade”, argumentaram os senadores, na justificativa da emenda.
A proposta é originalmente de 2021 e foi apresentada por Celso Sabino — na época, deputado pelo PSDB-PA e hoje ministro do Turismo, filiado ao União Brasil — após a prisão em flagrante do ex-deputado Daniel Silveira, determinada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.
A prisão foi motivada, na época, por vídeo postado por Silveira nas redes sociais, em que ele ofendeu ministros do STF.
Apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro, Silveira foi condenado pelo STF em 2022 à perda do mandato e à prisão. Ele foi punido pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo. Hoje, está em regime semiaberto.
Ao justificar o projeto, Sabino afirmou que não ignorava a “gravidade dos fatos” perpetrados por Silveira, mas que a imunidade parlamentar precisava ser melhor protegida.
A proposta foi impulsionada no início de agosto deste ano, na volta do recesso parlamentar, em reação à decisão de Moraes de decretar a prisão domiciliar de Jair Bolsonaro.
Na ocasião, parlamentares bolsonaristas bloquearam plenários e sessões exigindo que o Congresso avaliasse pautas caras a esse grupo, como a anistia aos envolvidos nos atos de 8 de janeiro de 2023 e o impeachment do ministro do STF Alexanrre Moraes.
O impeachment de ministros da Corte, porém, só pode ser aprovado no Senado e não há perspectiva de que os pedidos sejam pautados pelo presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP).
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