Imprensa pode ser responsabilizada por declarações de entrevistados, decide STF

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plenário virtual do Supremo Tribunal Federal definiu, por nove votos a dois, que um veículo de imprensa é responsável pelas falas de um entrevistado em suas páginas. A decisão foi tomada em um caso cujo julgamento foi concluído na última terça-feira (8) e pode inviabilizar que a imprensa publique denúncias de qualquer tipo, sob o temor de punição futura.

O caso envolve o ex-deputado federal Ricardo Zarattini (PT-SP), acusado por décadas de ser um dos autores de um atentado a bomba no aeroporto de Guararapes, em Recife, em julho de 1966. Zarattini, um anistiado político, sempre negou participação no caso. Em 1995, o jornal Diário de Pernambuco entrevistou o ex-delegado da Polícia Civil Wandenkolk Wanderley, que disse que Zarattini era o autor intelectual do crime, de acordo com investigações da época da ditadura.

A inocência de Zarattini viria a ser confirmada apenas em 2013, o que motivou sua ação contra o Diário. Na primeira instância, ele ganhou o direito a 700 mil reais em indenização. No STJ, onde o caso foi julgado em 2016, houve nova decisão favorável ao petista, mas a indenização ficou em 50 mil reais.

O relator do caso no STF foi Marco Aurélio Mello. Hoje aposentado, ele deu um voto contra o pedido de indenização do espólio de Zarattini, morto em 2017, aos 82 anos. “O que deve haver é a responsabilização de algum desvio de conduta cometido pela imprensa, o que não ocorre quando se limita a divulgar entrevista”, escreveu Mello. 

O voto contrário — e vencedor— foi apresentado pelo ministro Alexandre de Moraes. “O veículo de comunicação atuou com negligência ao publicar a entrevista concedida por terceiro sem, ao menos, ouvir o imputado”, escreveu Moraes, em voto divulgado em junho deste ano. “Não merece relevo a circunstância de o jornal não ter emitido juízo de valor sobre as declarações do entrevistado; o silêncio, às vezes, pode ser mais eloquente do que muitas palavras”

O ministro, acompanhado por todos exceto Mello e Rosa Weber, disse que não se trata de censura prévia, mas de “reconhecer a posteriori a responsabilidade civil da empresa jornalística”.

A decisão do Supremo foi rechaçada por associações de imprensa“A decisão é um retrocesso que abre um precedente muito perigoso de punir o mensageiro por declarações de terceiros”, disse Marcelo Rech, o presidente-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), lembrando que a entrevista foi publicada em 1995 e a confirmação de que o autor da ação não teve envolvimento só ocorreu 18 anos depois. “Por sua gravidade, o caso está sendo acompanhado por entidades internacionais e seguramente vai afetar ainda mais a imagem brasileira nos rankings de liberdade de imprensa.”

Apesar de concluído o julgamento, o STF ainda terá de definir a tese — que pode ser um tiro fatal à expressão jornalística. O texto defendido por Moraes é o seguinte:

“A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, não permitindo qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas”.

Após a fixação da tese, ela deverá ser aplicada a todos os casos em discussão no Judiciário brasileiro com o mesmo tema. Ainda não há data para que isso aconteça. (Crosoé).

 

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Da Redação

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