A guerra pelo controle das rotas do tráfico de drogas na Amazônia se intensificou desde 2018, quando o Comando Vermelho (CV) consolidou o domínio sobre áreas antes controladas pela Família do Norte (FDN) — facção que chegou a ser considerada pela Polícia Federal a terceira maior do país.

A expansão do CV abriu caminho para uma disputa silenciosa com o Primeiro Comando da Capital (PCC), que tenta avançar sobre as rotas internacionais de entorpecentes na tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru.
A FDN perdeu força após uma série de massacres, prisões e rupturas internas. O estudo “Maneiras de fazer o crime, a guerra e o domínio das prisões do Amazonas” aponta que a ofensiva do CV desestruturou a antiga facção, alterando o equilíbrio do crime organizado na região.
Já a pesquisa “No Norte, tem Comando”, publicada pela Revista Brasileira de Sociologia, descreve a FDN como uma facção regional que dominava o sistema prisional e o tráfico de drogas no Amazonas. O grupo operava com base em códigos internos, punições e alianças, chegando a rivalizar com o PCC em número de integrantes e poder de fogo.
De acordo com o historiador Joel Paviotti, a FDN surgiu entre 2006 e 2007, a partir da união de traficantes que controlavam rotas fluviais e mantinham conexões com produtores estrangeiros.
Com o avanço do PCC sobre essas rotas, a FDN se aliou ao Comando Vermelho — uma parceria que, segundo Paviotti, provocou uma crise sem precedentes no sistema penitenciário amazonense.
FIM DA ALIANÇA E O INÍCIO DOS MASSACRES
A ruptura entre CV e FDN, motivada por disputas internas e controle de rotas, desencadeou uma escalada de violência.
A partir de 2017, o CV passou a atacar sistematicamente os rivais dentro e fora dos presídios, em massacres como o do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), que deixou dezenas de mortos.
Com a queda da FDN, o Comando Vermelho consolidou o domínio no estado e iniciou uma disputa silenciosa com o PCC.
O tamanho da Amazônia faz com que muitas vezes os grupos evitem o confronto direto, mas a rota Solimões continua sendo o ponto de maior tensão.
DISPUTA NA FRONTEIRA E NOVAS FONTES DE RENDA
Com o fim da FDN, o Amazonas virou palco de uma guerra entre CV e PCC. A disputa vai além do território: envolve alianças internacionais, controle de fronteiras e domínio sobre comunidades vulneráveis.
Na tríplice fronteira — especialmente em Tabatinga (AM) —, relatórios da Polícia Militar e do Comando de Operações Especiais (COE) apontam confrontos entre criminosos brasileiros e colombianos ligados às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que controlam parte das rotas de exportação de cocaína.
Paviotti observa que o CV diversificou suas atividades criminosas, passando a atuar em: garimpo ilegal; extração de madeira; grilagem de terras; tráfico de animais silvestres; e até no agronegócio, usado para lavagem de dinheiro.
Relatórios da Polícia Federal também apontam extorsões e cooptação de ribeirinhos ao longo da rota do rio Solimões.
AMAZÔNIA: ROTA ESTRATÉGICA E EXPLOSÃO DA VIOLÊNCIA
A expansão do Comando Vermelho reflete um movimento mais amplo: a Amazônia Legal se tornou uma rota estratégica do tráfico internacional.
Em 2023, a região registrou mais de 8 mil mortes violentas, índice 41,5% superior à média nacional, segundo o Atlas da Violência 2024, elaborado pelo Ipea e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A inteligência do Exército da Colômbia aponta que o narcotráfico na Amazônia ganhou novos contornos nos anos 2000, quando Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, estabeleceu conexões diretas com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Ele teria facilitado o acesso de brasileiros à estrutura logística do grupo, que incluía laboratórios de refino e rotas fluviais — impulsionando a expansão territorial das facções, inclusive no interior do Amazonas.
MARCAÇÃO DE TERRITÓRIO E O “MITO DA VIOLÊNCIA”
O avanço do CV também é visível nas ruas de Manaus, onde muros e becos exibem a sigla da facção e nomes de lideranças como “Doca”, “Urso” e “Mano Kaio”, pintados em vermelho — cor que representa o grupo e serve para demarcar território.
Em dezembro de 2024, integrantes do CV expulsaram uma moradora do bairro Santo Agostinho, na Zona Norte, e a ameaçaram de morte caso retornasse ao local. A Polícia Militar realizou uma operação que retirou os criminosos da área.
ABIN: COMANDO VERMELHO ATUA EM TODOS OS CONFRONTOS DO PAÍS
A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) afirma que o Comando Vermelho está envolvido em todos os confrontos entre facções criminosas no Brasil.
Segundo a agência, a expansão do CV começou em 2013 e se consolidou em 2024, tornando-se um desafio à segurança nacional.
O Terceiro Comando Puro (TCP) também tem avançado, ocupando territórios antes dominados pelo PCC e disputando espaço com o CV, oferecendo redes de fornecimento de armas, drogas e abrigo em comunidades.
A Abin alerta que a atuação dessas facções espalha a lógica violenta típica do Rio de Janeiro para outras regiões, representando uma ameaça que ultrapassa o campo policial e atinge a estabilidade social e institucional do país.

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