Governistas reagem à anistia e apostam em veto de Lula, que vai defender soberania no 7 de Setembro

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O governo elevou o tom e passou a tratar como prioridade a mobilização para barrar uma eventual anistia ao ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados. Ontem, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, sinalizaram que irão usar o peso do Palácio do Planalto para tentar impedir o perdão a condenados por atos golpistas. Caso uma proposta nesse sentido prospere no Legislativo, o veto do petista é dado como certo por aliados, o que obrigaria um apoio ainda maior para derrubá-lo.

Um dia depois de ter dito que “o povo” deveria se manifestar para enterrar a pauta, Lula argumentou ontem, em entrevista ao SBT, que não é possível conceder anistia para quem atentou contra as instituições democráticas. O petista afirmou ainda que o ex-presidente assume culpa no caso de tentativa de golpe ao negociar o perdão.

— Ele fica pedindo anistia como se já tivesse sido condenado, ou seja, nem ele acredita nele — disse o presidente, que complementou: — Quem atenta contra o Estado Democrático de Direito tem que ser punido.

‘Traidores da pátria’

 

A movimentação ocorre em paralelo à disposição do governo de ir para o enfrentamento político. A ideia é cacifar Lula para 2026, quando deve disputar a reeleição.

Hoje, por exemplo, o presidente fará um pronunciamento com críticas aos “traidores da pátria”, em referência à atuação do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, que defende a aplicação de sanções a autoridades e instituições brasileiras pelo governo dos Estados Unidos, de Donald Trump.

A transmissão da fala de Lula irá ao ar em rede nacional de TV e rádio, em alusão ao Dia da Independência, comemorado em 7 de setembro.

Lula gravou a fala do seu gabinete no Palácio do Planalto. Ao longo de quase seis minutos, o presidente vai destacar a soberania nacional, que já vem sendo o mote principal das peças publicitárias da Secretaria de Comunicação Social (Secom).

A expressão depreciativa já tem sido adotada por Lula nos últimos dias. Na reunião ministerial da semana passada, o presidente chamou o deputado e Bolsonaro de “maiores traidores da pátria” e cobrou uma atitude do Congresso sobre as investidas do parlamentar junto ao governo americano para estimular sanções ao Brasil.

No campo da articulação, Gleisi afirmou, em entrevista à GloboNews, que o governo não irá descansar e tentará barrar qualquer favorecimento a Bolsonaro. A mobilização ocorre em meio ao julgamento da trama golpista pelo Supremo Tribunal Federal (STF), processo no qual o ex-presidente pode ser condenado a até 43 anos de prisão.

— Sequer estamos cogitando que esse projeto seja votado, ainda tem o decreto de regime de urgência que deve ser analisado. Espero que a urgência seja derrotada, e nós vamos trabalhar para isso — afirmou a ministra.

Como mostrou O GLOBO, o governo vai procurar o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para tentar neutralizar a articulação pela anistia.

A pressão pela votação do texto voltou a crescer e líderes partidários tentam um acordo para que o tema seja incluído em pauta após o julgamento do STF, previsto para terminar no próximo dia 12.

Gleisi criticou ainda a articulação do governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), a favor do projeto, e aproveitou para mencionar a pressão do Centrão para que ele seja o nome da direita ao Planalto.

— Realmente, é uma pessoa muito fraca, não vejo com condições de ser presidente do País.

Múcio destoa

 

Longe do debate e da estratégia definida pelo Planalto, o ministro da Defesa, José Múcio, surgiu ontem como uma voz dissonante. O auxiliar de Lula evitou criticar o projeto da anistia e afirmou que a “queda de braço” é ruim para o país. Na visão dele, seria preciso uma espécie de conciliação.

— Não conheço o projeto (…), acho que essa queda de braço não favorece o país. Precisamos reconstruir a fraternidade — afirmou o ministro, que completou: — Tenho evitado conversar sobre isso nesse momento.

Os entraves enfrentados pela oposição para avançar com um texto vão além do apoio para aprovar a medida. As resistências incluem dificuldades políticas, como dissidências dentro de siglas do Centrão e declarações contrárias de caciques do Senado, a jurídicas, uma vez que há jurisprudência no STF para considerar a medida como inconstitucional.

Na Câmara, a proposta precisa de maioria simples, ou seja, ter mais da metade dos votos dos parlamentares presentes na sessão. O líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), calcula já ter esse apoio necessário na Casa. Sua conta inclui o aval do União (54), PP (45), Republicanos (41), PSD (23), Novo (5), PL (88), MDB (20), Podemos (9) e PSDB/Cidadania (9). Somadas, essas bancadas chegam a 295 deputados.

Já no Senado, o cenário é mais desfavorável à proposta. A oposição é minoria na Casa, reunindo em torno de 30 dos 81 senadores. Além disso, o texto precisaria antes passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), presidida pelo senador Otto Alencar (PSD-BA), crítico declarado da anistia. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, também já avisou que não pautará o texto defendido pela oposição.

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), reforça que não há ambiente na Casa:

— Não passará no Senado. Não vejo possibilidade de projeto de anistia vindo da Câmara ser apreciado aqui. Até a proposta alternativa, mesmo essa, eu creio que ainda tem que ter um debate mais pormenorizado.

Barreira do veto

 

Mas, mesmo que a oposição vença essas resistências, a oposição teria como desafio angariar mais adeptos à proposta para uma eventual derrubada do veto de Lula. Diferentemente da maioria simples necessária para aprovar um projeto de lei nas duas casas, a derrubada do veto, pelas regras do Congresso, precisa da chamada maioria absoluta. Ou seja, é necessário que 257 deputados e 41 senadores votem neste sentido, independentemente do quórum na sessão — marcada por deliberação de Alcolumbre.

As barreiras para o projeto de anistia, porém, vão além do campo político. Ministros do Supremo já indicaram considerar a medida como inconstitucional. Magistrados ouvidos pelo GLOBO sob condição de anonimato lembram que a Corte já invalidou, em 2023, uma tentativa de perdão ao ex-deputado Daniel Silveira.

Na época, Bolsonaro havia editado um decreto que beneficiava o aliado. A avaliação da maioria da Corte, contudo, foi que o dispositivo não poderia ser aplicado em caso de crimes contra o Estado Democrático de Direito.

— No ordenamento jurídico brasileiro, cabe ao Legislativo criar leis e ao Judiciário realizar o controle de sua constitucionalidade. Quem dá a última palavra sobre uma lei ser ou não compatível com a Constituição é o Judiciário e não há no exercício desse controle de constitucionalidade qualquer invasão de um poder em outro, mas mera aplicação das regras previstas na Constituição Federal — afirma o advogado Cristiano Maronna, diretor do Justa.

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Da Redação

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