O primeiro dia do julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus no processo criminal por suposta tentativa de golpe de Estado teve início nesta terça-feira (2/9) com a defesa da soberania nacional e da responsabilidade dos acusados no plano golpista.
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A manhã na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou com a leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo.
“O Brasil chega em 2025 com uma democracia forte, as instituições independentes, economia em crescimento e a sociedade civil atuante”, disse ele, antes de iniciar a leitura.
“O Estado Democrático de Direito não significa tranquilidade ou ausência de conflitos”, acrescentou o ministro, afirmando que o julgamento de Bolsonaro e outros sete réus é “mais um desdobramento do exercício da Constituição.”
Na sequência, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, iniciou a leitura de seu parecer exaltando os instrumentos previstos pela Constituição para defender a democracia.
Ele mencionou o que ele considera como provas – manuscritos, mensagens, gravação de reunião ministerial e discursos públicos – sobre a tentativa de golpe de Estado.
“Não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que, quando o presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de Estado, o processo criminoso já está em curso”, afirmou Gonet.
O ex-presidente Bolsonaro e sete aliados — entre eles ex-ministros e militares de alta patente — serão julgados por crimes que incluem organização criminosa armada, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Após o intervalo para o almoço, o julgamento foi retomado na tarde desta terça com o início do pronunciamento dos advogados de defesa dos réus.
Os primeiros a falar foram os advogados Jair Alves Pereira e Cezar Bitencourt, defensores do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro que se tornou delator no processo.
Eles defenderam a validade do acordo de delação, dizendo que Cid não foi coagido a falar. Além disso, argumentaram que não há provas que mostrem que o tenente-coronel participou da tentativa de golpe.
“Ele não participou, não planejou, não mobilizou ninguém”, disse Bitencourt.
Todos os julgados no STF a partir desta terça fazem parte do chamado “núcleo crucial” da suposta organização criminosa que, segundo a acusação, teria tentado subverter o resultado das eleições de 2022, vencidas pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Todos negam as acusações.
Bolsonaro não compareceu ao primeiro dia de julgamento por “motivo de saúde”, segundo informou seu advogado, Celso Vilardi, à BBC News Brasil.
Moraes: Supremo não vai aceitar ‘coação de Estado estrangeiro’
Em sua fala inicial, Alexandre de Moraes, relator do caso, afirmou que o STF não aceitará “coação de um Estado estrangeiro” ou tentativa de obstrução do processo, no que pareceu ser uma referência aos Estados Unidos.
“Lamentavelmente, no curso dessa ação penal, se constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa, que de forma jamais vista anteriormente em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira, com a finalidade de tentar coagir o poder judiciário e em especial esse STF, e submeter o funcionamento da Corte ao crivo de outro estado estrangeiro”, disse o ministro.
“Essa coação, essa tentativa de obstrução, elas não afetaram a imparcialidade e a independência dos juízes desse STF, que darão, como estamos dando hoje presidente, a normal sequência no devido processo legal, que é acompanhado por toda a sociedade e toda a imprensa brasileiras.”
Nos últimos meses, o governo de Donald Trump tem se manifestado em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro. A Casa Branca também anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre produtos importados pelos EUA do Brasil, a alíquota mais alta entre os países sobretaxados.
A medida foi comunicada ao governo por meio de uma carta assinada por Trump e endereçada ao presidente Lula. Na mensagem, o republicano afirma que o “julgamento não deveria estar ocorrendo” e que é uma “caça às bruxas” contra Bolsonaro.
Alexandre de Moares também entrou na mira do governo americano e foi alvo de sanções com base na Lei Magnitsky, uma das mais severas punições disponíveis para Washington contra estrangeiros considerados autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
Durante o julgamento desta terça, Moraes também afirmou que “a soberania nacional jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida”.
“A soberania nacional não pode, não deve e jamais será vilipendiada, negociada ou extorquida, pois é um dos fundamentos da república federativa do Brasil”, disse.
“O STF sempre será absolutamente inflexível na defesa da soberania nacional e em seu compromisso com a democracia, os direitos fundamentais, o Estado de Direito, a independência do Poder Judiciário nacional e os princípios constitucionais brasileiros.”
O ministro defendeu ainda que a “pacificação” do país passa pelo respeito à Constituição
Paulo Gonet defende punição a tentativas de golpe
Após a finalização da leitura do relatório por Moraes, o procurador-Geral da República, Paulo Gonet, iniciou a leitura de seu parecer exaltando os instrumentos previstos pela Constituição para defender a democracia.
“Nenhuma democracia se sustenta se não contar com efetivos meios para se contrapor a atos orientados à sua decomposição belicosa, ultrajante dos meios dispostos pela ortodoxia constitucional para dirigir o seu exercício e para gerir a transição do poder político”, disse.
“A ordem disposta na Constituição dispõem de meios institucionais para talhar investidas contra ela própria e o seu espeito. O controle de constitucionalidade é uma dessas formas, suficiente tantas vezes para remediar desvios jurídicos da estrutura da ordem.”
Gonet afirmou que “Não é preciso esforço intelectual extraordinário para reconhecer que quando o Presidente da República e depois o ministro da Defesa convocam a cúpula militar para apresentar documento de formalização de golpe de estado, o processo criminoso já está em curso.”
Ele também defendeu a punição de tentativas de golpe de Estado, informa Leandro Prazeres, de Brasília. Segundo ele, haveria diversas formas de golpe de Estado. “A história registra profusão de ensaios desta espécie. Os golpes podem vir de fora das estruturas de poder como poder ser engendrados pela perversão dela própria [ordem democrática]”, disse o procurador.
O procurador afirmou que não punir esse tipo de crime, no Brasil ou no exterior, “recrudesce ímpetos de autoritarismo e põe em risco um modelo de vida civilizado”.
Ele disse ainda que chegado o julgamento, “permanecem inabaladas as considerações e conclusões das alegações finais” da PGR.
Quem são os réus?
Os oito réus que serão julgados na ação penal 2668 a partir desta terça-feira fazem parte do chamado “núcleo crucial” da suposta organização criminosa que, segundo a acusação, teria tentado subverter o resultado das eleições de 2022.
Composto por Bolsonaro e sete aliados próximos, os integrantes do núcleo teriam sido, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), os principais articuladores e decisores da tentativa de golpe de Estado.
Quais são as acusações?
Em março deste ano, os cinco magistrados que representam a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) aceitaram as denúncias feitas contra Bolsonaro e os demais membros do “núcleo central” pela PGR.
Eles são acusados de cinco crimes:
- Organização criminosa armada;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Golpe de Estado;
- Dano qualificado pela violência e grave ameça contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;
- Deterioração de patrimônio tombado.
A única exceção é Alexandre Ramagem, que com base no argumento de imunidade parlamentar, ele obteve de seus pares, em votação na Câmara, a suspensão do processo em relação aos crimes supostamente cometidos após a diplomação.
Ele responde apenas por golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa armada.
O crime de formação de organização criminosa armada é previsto pela Lei nº 12.850 de 2013. A pena estipulada para o indivíduo que integra, financia ou promove uma organização criminosa é de reclusão, de 3 a 8 anos, e multa, sem prejuízo das penas correspondentes às demais infrações penais praticadas.
No caso de Jair Bolsonaro, a PGR destacou em sua denúncia as condições previstas nos parágrafos 2º, 3º e 4º do artigo 2º, que preveem agravamento da pena se na atuação da organização criminosa houver emprego de arma de fogo e se o indivíduo exercer função de comando na organização.
Na denúncia aceita pelo STF, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, apontou a existência de “uma trama conspiratória armada e executada contra as instituições democráticas”. Também faria parte do plano, segundo as acusações, o uso de armas bélicas contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF.
O assassinato do magistrado fazia parte do chamado plano “Punhal Verde Amarelo”, que também teria por objetivo assassinar Lula e o vice eleito Geraldo Alckmin.
Já os crimes de abolição violenta do Estado de Direito e golpe de Estado estão previstos no artigo 359 do Código Penal. Eles foram incluídos pela lei de crimes contra a democracia, de número 14.197, sancionada pelo próprio ex-presidente Jair Bolsonaro em 2021.
O texto prevê pena de 4 a 8 anos de reclusão para quem tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais.
Também estipula de 4 a 12 anos de prisão para a tentativa de golpe de Estado por meio de violência ou grave ameaça.
Além de tratar do suposto envolvimento de Jair Bolsonaro e seus aliados com a tentativa de golpe, a denúncia aceita pelo STF também conecta os réus aos ataques de 8 de janeiro de 2023 contra as sedes dos Três Poderes da República e os acusa de crimes de dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Na ocasião, milhares de apoiadores radicais do ex-presidente, insatisfeitos com a eleição e posse do presidente Lula, invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF). De acordo com a denúncia, a violência cometida teria gerado prejuízos estimados em mais de R$ 20 milhões.
Segundo o procurador-geral da República, Paulo Gonet Branco, o episódio foi fomentado e facilitado pela suposta organização criminosa da qual Bolsonaro faria parte.
O que dizem as defesas dos réus?
Os oito réus entregaram ao STF suas alegações finais antes mesmo da data oficial do julgamento ter sido definida, conforme estipulado pela lei.
Todos negam os crimes e pedem a absolvição de todas as acusações.
A equipe de advogados de Jair Bolsonaro, liderada pelos criminalistas Celso Vilardi, Paulo Cunha Bueno e Daniel Tesser, chamou em sua defesa a acusação feita pela PGR de “absurda” e “golpe imaginado”.
Os defensores insistiram na falta de provas que pudessem colocar o ex-presidente inequivocamente no centro da trama golpista e pediram a anulação da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, classificando-o como um “delator sem credibilidade”.
Argumentos semelhantes foram usados nas alegações finais dos demais réus. Os advogados do general da reserva do Exército Walter Braga Netto, por exemplo, também atacaram a delação de Cid, afirmando que o ex-ajudante de ordens foi “obrigado a mentir”.
Candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, Braga Netto também alegou que não tinha conhecimento sobre nenhum plano chamado “Punhal Verde e Amarelo” e disse que não entregou dinheiro para a condução de qualquer planejamento golpista.
Os advogados do ex-ministro da Justiça Anderson Torres pediram a absolvição, afirmando, entre outras coisas, que uma das principais provas da acusação deveria ser descartada. Trata-se de uma suposta “minuta de golpe” encontrada na casa de Torres durante operação da Polícia Federal.
Segundo a defesa do ex-ministro, o documento é um texto “apócrifo” e que só não foi descartado por descuido.
O general da reserva do Exército Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), afirmou em suas alegações finais que há falta de provas sobre o seu envolvimento, afirmando ainda ser “leviana” qualquer associação com a organização dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.
A defesa do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, negou que ele tenha colocado tropas à disposição de Bolsonaro e pediu a absolvição do ex-comandante da Marinha.
Os advogados do general Paulo Sergio Nogueira, que também foi ministro da Defesa de Bolsonaro, pediram a absolvição do seu cliente e afirmaram que o militar, na verdade, atuou “ativamente” contra o golpe de Estado e era contrário a adoção de qualquer medida de exceção.
A defesa de Alexandre Ramagem, por sua vez, negou que ele tenha ordenado o uso da infraestrutura da Abin para monitoramento ilegal de ministros do STF e de desafetos políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro, conforme consta na denúncia. Segundo a argumentação dos advogados, se houve ato ilegal por parte de algum funcionário da agência, a responsabilidade não pode ser atribuída ao então diretor.
Os advogados do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, também pediram a absolvição, colocando o delator como um observador, testemunha dos fatos delatados, mas não partícipe de crimes.
Caso seja negada a absolvição, a defesa pediu o reconhecimento sobre a efetividade da delação premiada de Cid para o esclarecimento da trama golpista. Em troca, os advogados pedem que ele seja condenado a uma pena mínima de dois anos.
Quem são os ministros que votarão?
A ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e os outros 7 acusados será julgada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal. O colegiado vai decidir se os réus devem ser condenados ou absolvidos.
Os cinco ministros que fazem parte da Primeira Turma atualmente são:
- Alexandre de Moraes
- Flávio Dino
- Luiz Fux
- Cármen Lúcia
- Cristiano Zanin
Moraes abre a votação por ser o relator do caso, seguido pelos ministros na ordem de entrada no STF até chegar ao que está há mais tempo na Corte. Zanin, mesmo não sendo o mais antigo, vota por último por presidir o colegiado.
Como será o julgamento?
O STF distribuiu as sessões do julgamento em cinco datas: 2, 3, 9, 10 e 12 de setembro.
Conforme o rito detalhado, o juízo deve se dividir em até três etapas, de sustentações orais, de leitura de votos pela condenação ou absolvição e, em caso de condenação, de votos relacionados à fixação de penas.
A primeira sessão, nesta terça, começou com a leitura do relatório de Alexandre de Moraes.
O procurador-geral da República, Paulo Gonet, falou na sequência e terá até duas horas para expor sobre a acusação.
Na sequência entram as defesas, que apresentarão suas sustentações orais por até uma hora para cada réu.
Os advogados de Mauro Cid serão os primeiros a falar, por conta do acordo de delação premiada firmado pelo ex-ajudante de ordens. As demais defesas se apresentação em ordem alfabética.
Finalizadas as manifestações, chega o momento dos votos. O primeiro a ser lido é o de Moraes, relator do caso, que deve se manifestar pela condenação ou absolvição dos réus.
Na sequência, é a vez dos outros ministros, ficando por último o presidente da Turma, Cristiano Zanin.
A decisão se dá pela maioria. Caso haja condenação, Moraes fará uma proposta de fixação das penas, que será votada pelos demais ministros.
Quando sai o resultado?
A leitura dos votos — e, portanto, a decisão final sobre condenação ou absolvição dos réus — é a última etapa do julgamento e deve ficar para os últimos dias de sessões.
Há uma especulação sobre se o ministro Luiz Fux, o terceiro a votar, poderia apresentar um pedido de vista (ou seja, mais tempo para análise do caso), mas as avaliações mais recentes são de que este não seria o cenário mais provável.
A decisão se dá pela maioria. Caso haja condenação, Moraes fará uma proposta de fixação das penas, que será então votada pelos demais ministros.
Há possibilidade, contudo, de que o julgamento não se encerre na data limite estipulada pelo Supremo, de 12 de setembro.
Se o ex-presidente for condenado, mas não por unanimidade, votos divergentes a seu favor poderiam abrir espaço para que sua defesa tentasse recorrer a recursos como os embargos infringentes, que poderiam prolongar a duração do processo.
A defesa de Bolsonaro poderia tentar usar esse caminho, por exemplo, para levar o caso para o plenário do Supremo.
Como e quando assistir?
Você pode assistir ao julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos demais réus no site da BBC News Brasil ou no canal da BBC News Brasil no Youtube, a partir de terça-feira (2/9).
O conteúdo será transmitido pelos canais do Supremo Tribunal Federal.
As inscrições para acompanhar o julgamento presencialmente, em Brasília, já foram encerradas. O STF recebeu mais de 3,3 mil inscrições de pessoas interessadas e disponibilizou 150 lugares.
As sessões de julgamento de Bolsonaro e de mais sete réus no processo criminal por suposta tentativa de golpe de Estado estão marcadas para os seguintes horários:
- 2/9, terça-feira (9h-19h)
- 3/9, quarta-feira (9h-12h)
- 9/9, terça-feira (9h-19h)
- 10/9, quarta-feira (9h-12h)
- 12/9, sexta-feira (9h-19h)
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