No voto de 429 páginas, o ministro Luiz Fux citou 25 doutrinadores do direito como referência para respaldar seus argumentos contrários à condenação do núcleo central da trama do golpe, grupo que inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro. Aníbal Bruno, referência no direito penal brasileiro, foi o mais citado — 12 vezes.
O ministro buscou no penalista (especialista em direito criminal) o entendimento de que os “pensamentos e desejos criminosos, objeto, embora, de apreciação sob critério religioso ou moral, escapam à consideração do Direito punitivo” (BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Tomo I. Parte Geral – Do Fato Punível. 5 ed. Forense, 2003. p. 184).
Fux votou pela nulidade da ação penal com três argumentos centrais: o processo deveria ser julgado na primeira instância, por os réus não terem prerrogativa de foro; a conduta dos réus não caracteriza organização criminosa; e não houve comprovação do crime ao qual cada um dos réus é acusado.
Todos os citados pelo ministro Luiz Fux:
Aníbal Bruno
Fux citou diversas passagens de suas lições sobre Direito Penal, incluindo conceitos de omissão, atos preparatórios e vontade. Referiu-se a ele como “professor de todos nós” e penalista clássico.
“Há um caminho que o crime percorre, desde o momento em que germina, como idéia, no espírito do agente até aquele em que se consuma no ato final. Nem todas as fases dessa evolução interessam ao Direito punitivo. E o problema que aqui nos preocupa é determinar o ponto em que nesse caminho, o agente penetra propriamente no ilícito e se faz punível. E nesse ponto que o Direito Penal o surpreende, porque só desde então é que o seu atuar constitui um perigo de violação ou a violação de um bem jurídico e em que começa a realizar-se a figura típica do crime.”
“Os atos preparatórios escapam, em regra, à aplicação da lei penal, salvo quando, por si mesmos, constituem figuras delituosas.” (BRUNO, Aníbal. Direito Penal. Tomo II. Parte Geral –Fato Punível. 4 ed. Forense, 1984. p. 229-239)
José Carlos Barbosa Moreira
“Qualquer litígio deve ser levado ao órgão previamente indicado pela lei, de acordo com regras genéricas e abstratas. Ninguém pode ver submetido o seu litígio, por motivos pessoais, singulares, especificamente relacionados com aquele caso, a um órgão diverso do previsto no ordenamento para as hipóteses do gênero[…]O que é essencial é que essa disciplina não se veja adotada de caso pensado para a solução de um determinado litígio, mas, ao contrário, que ela seja estabelecida previamente, com caráter impessoal, de tal maneira que as regras assim consagradas se apliquem indistintamente a todas as hipóteses do mesmo gênero, que porventura venham a ocorrer.”
(Aspectos processuais civis na nova Constituição (Revista de Direito da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio de Janeiro, n. 29/1989)
Piero Calamandrei
“A ratio essendi da competência pertine, na lição clássica de Calamandrei, à sua condição de consectário lógico do instituto da jurisdição, senão um posterius desta, ao considerar-se que a repartição interna de funções entre os diversos órgãos judiciais presume, antes de tudo, a organização das atribuições que o Estado comete ao Poder Judiciário enquanto ente sistematizado” (nesse trecho, o ministro menciona o autor)
Istituzioni di Diritto Processuale Civile, v. II. Padova: CEDAM, 1943.
Fernando Capez
..”.a competência (de quem irá julgar) é fixada muito mais por imposição de ordem pública do que no interesse de uma das partes. Trata-se aí, de competência absoluta, que não pode ser prorrogada nem modificada pelas partes, sob pena de implicar nulidade absoluta.”
Curso de Processo Penal, 31ª ed. São Paulo: Saraiva, 2024.
Giuseppe Chiovenda
“Destarte, em um Estado de Direito, só há jurisdição quando há competência, posto ser aquela um poder e esta o componente de concreção formal do seu exercício, perante o qual o juiz é chamado a prover sobre uma causa. Seus critérios racionais de distribuição, aliás, remontam às bases teóricas firmadas por Chiovenda, que os associa à importância do refreamento do alvedrio das partes, mercê da estrita demarcação de alguns limites que deixam entrever a impraticabilidade, nas sociedades contemporâneas, de um juízo uno para todas as demandas.” (nesse trecho, o ministro menciona o autor)
Principii di Diritto Processuale Civile, 2ª ed. Napoli: Jovene, 1923.
Enrico Tullio Liebman
…a competência é questão preliminar e, como tal, “deve ser decidida antes de qualquer outra, estando subordinada apenas à eventual questão sobre a regularidade da petição inicial”
(LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 56 e s).
Danielle Souza de Andrade e Silva
“A competência é situada entre os pressupostos subjetivos de existência do processo, de modo que, sendo incompetente o juízo de uma causa, sequer se poderá falar em processo, que não chegaria mesmo a existir no mundo jurídico. Sem juiz competente, haveria mero “simulacro de processo”, um processo apenas aparente, um “não-processo.”
(Decisão Proferida por Justiça Incompetente: Nulidade ou Inexistência? Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 68/2007 | p. 182 – 213 | Set – Out / 2007. Doutrinas Essenciais Direito Penal e Processo Penal | vol. 7/2015 | p. 579 – 604 | Dez / 2015.DTR\2007\542, p. 3.)
Eugênio Pacelli
“Referida garantia orienta o Poder Judiciário no sentido da impessoalidade, notória insuspeição, por isso que se veda que o juiz se valha do seu testemunho para julgar, o que, nas palavras de Eugenio Pacelli, possibilita a cegueira da justiça.” (nessa caso, o ministro cita o autor de forma indireta)
(PACELLI, Eugênio. Unidade de Julgamento, Igualdade de Tratamento e o Juiz Natural: Entre Ponderações, Acomodações e Adequações Constitucionais. Revista Brasileira de Ciências Criminais | vol. 106/2014 | p. 137 – 155 | Jan – Mar / 2014. Doutrinas Essenciais Direito Penal e Processo Penal | vol. 6/2015 | Jan – Dez / 2015 DTR\2014\295, p. 6.)
Evaristo de Moraes
Mencionado como advogado e professor, referência em Direito Penal
“Rememorando meu saudoso amigo pessoal e de congregação acadêmica, o notável advogado Evaristo de Moraes, os fatos, para serem considerados, crimes devem encaixar-se na letra da lei penal como uma luva na mão, citando o saudoso penalista Aníbal Bruno professor de todos nós.”
Luigi Ferrajoli (citado 11 vezes)
“O poder de punir e de julgar resta, seguramente, como escreveram Montesquieu e Condorcet, o mais ‘terrível’ e ‘odioso’ dos poderes: aquele que se exercita de maneira mais violenta e direta sobre as pessoas e no qual se manifesta de forma mais conflitante o relacionamento entre o Estado e o cidadão, entre autoridade e liberdade, entre segurança social e direitos individuais.”
(FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 15).
Cesare Beccaria, filósofo iluminista
“Apenas as leis podem indicar as penas de cada delito e o poder de estabelecer leis penais não pode ser senão do legislador, que representa toda a sociedade ligada por um contrato social. O magistrado, que é parte dessa sociedade, não pode, com justiça, aplicar a outro partícipe dessa sociedade uma pena que não esteja estabelecida em lei; e, a partir do momento em que o juiz se faz mais severo do que a lei, ele se torna injusto, pois aumenta um novo castigo ao que já está prefixado. Depreende-se que nenhum magistrado pode, mesmo sob o pretexto do bem público, aumentar a pena pronunciada contra o crime de um cidadão.”
“O juiz deve fazer um silogismo perfeito. Não há nada mais perigoso do que o axioma comum de que é necessário consultar o espírito da lei. Adotar esse axioma é quebrar todos os diques e abandonar as leis à torrente das opiniões. Cada homem tem a sua maneira de ver; e o mesmo homem, em épocas distintas, vê diversamente os mesmos objetos. O espírito de uma lei seria, pois, o resultado da boa ou da má lógica de um juiz, da violência das paixões do magistrado, de suas relações com o ofendido, enfim, da reunião de todas as pequenas causas que modificam as aparências e transmutam a natureza dos objetos no espírito mutável do homem. Veríamos, desse modo, a sorte de um cidadão mudar de face ao transferir-se para outro tribunal. Constataríamos que o juiz interpreta apressadamente as leis, segundo as ideias vagas e obscuras que estivessem, no momento, em seu espírito.”
(BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad.: Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, p. 20/23).
Guillaume Royer
“…a garantia dos cidadãos contra a arbitrariedade política e judicial num estado de direito”, sobre o juiz natural.
(“la garantie des citoyens contre l’arbitraire politique et judiciaire dans um État de droit”),
José Frederico Marques
“O que deve trazer os caracteres de certa e determinada, na peça acusatória, é a imputação. Esta consiste em atribuir à pessoa do réu a prática de determinados atos que a ordem jurídica considera delituosos; por isso, imprescindível é que nela se fixe, com exatidão, a conduta do acusado descrevendo-a o acusador, de maneira precisa, certa e bem individualizada. Uma vez que no fato delituoso tem o processo penal o seu objeto ou causa material, imperioso se torna que os atos, que o constituem, venham devidamente especificados, com a indicação bem clara do que se atribui ao acusado. A denúncia tem de trazer, de maneira certa e determinada, a indicação da conduta delituosa, para que em torno dessa imputação o juiz possa fazer a aplicação da lei penal, por meio do exercício de seus poderes jurisdicionais”
(MARQUES, José Frederico. Elementos de direito processual penal. Campinas: Bookseller, 1997.v. II. p. 152-153)
Gustavo Badaró
“…a sentença não pode fundar-se ou ter em consideração algo diverso, ou que não faça parte da imputação”
(BADARÓ, Gustavo H. Correlação entre acusação e sentença. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 76/77).
Karl Heinz Schwab
“Disse o Tribunal Federal Constitucional que, o art. 101, I, 2, da Lei Fundamental tem como objetivo evitar o perigo de a Justiça, por intermédio de manipulação externa ou interna dos órgãos judicantes, se expor a influências estranhas, especialmente no que concerne ao caso concreto, com a possibilidade de que se influencie no resultado da decisão, através da escolha de um juiz ad hoc como o competente.”
(Divisão de funções e o juiz natural. Revista de Processo, vol 12 n 48 p 124 a 131 out/dez 1987).
Enrico Tullio Liebman
“A competência é um pressuposto processual, ou seja, requisito de validade do processo e dos seus atos, no sentido de que o juiz sem competência não pode realizar atividade alguma e deve apenas declarar a sua própria incompetência. Os seus atos são nulos.”
(LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil. Tradução e notas de Cândido Rangel Dinamarco. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 56 e s)
Nelson Nery Junior
“O juiz natural tem de ser independente e imparcial”, admitindo-se que “independente é o juiz que julga de acordo com a livre convicção, mas fundado no direito, na lei e na prova dos autos”
(Princípios do Processo na Constituição Federal. 9ª ed. São Paulo: RT, 2009. p. 132.)
Enrico Redenti
“A primazia do exercício da jurisdição, desse modo, constitui-se na justa medida da competência, i.e., pela instância resultante da delimitação e repartição analítica de atribuições, conforme o fazem — e somente assim o podem fazer — a Constituição e as leis”. Em citação indireta do ministro.
(REDENTI, Enrico. Diri o Processuale Civile, v. I. Milano: Giuffrè, 1949, p. 99 e segs).
Antônio Scarance Fernandes
FERNANDES SCARANCE, Antônio. Processo penal constitucional. São Paulo: RT, 3ª ed., 2002, p. 127.
Fernando Tourinho Filho
“(prerrogativa de foro) poder que se concede a certos órgãos superiores do Poder Judiciário de processarem e julgarem determinadas pessoas, em decorrência das funções que exercem… Se o foro é pela prerrogativa de função, é em homenagem a essa função que se concede o foro privativo.”
(TOURINHO FILHO, Fernando. Da Competência pela Prerrogativa de Função. Revista dos Tribunais | vol. 809/2003 | p. 397 – 410 | Mar / 2003. Doutrinas Essenciais Processo Penal | vol. 1 | p. 1321 – 1340 | Jun / 2012. DTR\2003\162, p. 2 e 11)
Santiago Mir Puig
Jurista espanhol
“Um aspecto particular do princípio da legalidade que merece especial atenção é a proibição da analogia contra o réu. Em contraste, considera-se sempre lícita a aplicação da lei penal que não extrapole os limites de sua interpretação. A diferença entre interpretação (sempre permitida, desde que razoável e compatível com os valores constitucionais) e analogia (proibida quando prejudicial ao réu) é a seguinte: enquanto a interpretação consiste na busca de um sentido do texto legal que se encontre dentro de seu ‘sentido literal possível’, a analogia supõe a aplicação da lei penal a um caso não compreendido em nenhum dos sentidos possíveis de sua letra, mas análogo a outros sim contemplados no texto legal.”
(MIR PUIG, Santiago. Derecho Penal. Parte General. 8 ed. Barcelona: Reppertor, 2006. p. 107)
Francesco Carrara
Doutrinador italiano
“não se [pode] conceber delito onde não exista lei promulgada: ao delito faltaria o objeto”
(CARRARA, Francesco. Programa do Curso de Direito Criminal. Parte Geral. Vol. I. São Paulo: Saraiva, 1956. p. 61).
Nelson Hungria
“um dos maiores penalistas brasileiros”
“Pouco importa que alguém haja cometido um fato anti-social, excitante da reprovação pública, francamente lesivo do minimum de moral prática que o direito penal tem por função assegurar, com suas reforçadas sanções, no interesse da ordem, da paz, da disciplina social: se esse fato escapou à previsão do legislador, isto é, se não corresponde, precisamente, a parte objecti e a parte subjecti, a uma das figuras delituosas anteriormente recortadas in abstracto pela lei, o agente não deve contas à justiça repressiva, por isso mesmo que não ultrapassou a esfera da licitude jurídico-penal.” (HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Vol. 1. Tomo 1. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1953, p. 11/12).
Steven Shavell
Professor americano
“Se a sanção para a tentativa for inferior àquela cominada para a consumação do dano, o agente que inicia a execução poderá ser induzido a reavaliar sua conduta e a abandonála, já que, nesse caso, sofrerá punição menos severa. Se, porém, a sanção para a tentativa for idêntica à da consumação, nada terá a perder em prosseguir. […] Com efeito, pode-se razoavelmente sustentar que determinadas tentativas escapem por completo de sanção, quando interrompidas em momento tão inicial que reste grande incerteza quanto à sua continuidade e quanto à forma que assumiriam. Assim, se uma pessoa fosse detida apenas ao sair de uma farmácia portando veneno, poderia ser incerto se de fato pretendia utilizá-lo, bem como se sua conduta preencheria os requisitos típicos da tentativa no direito penal.”
(SHAVELL, Steven. Foundations of Economic Analysis of Law. p. 557-558)
Aníbal Pérez-Liñan
Professor da Universidade de Notre Dame
“Governos democráticos não cometem violações graves ou sistemáticas de direitos humanos contra seus cidadãos, não censuram vozes críticas na mídia de massa e não proíbem a organização de partidos políticos ou grupos de interesse legítimos (entendendo-se ‘legítimos’ em sentido amplo). As democracias modernas usualmente codificam os direitos dos cidadãos e a autoridade governamental em uma constituição escrita, e se apoiam em um Poder Judiciário independente e em outras instituições de controle e responsabilização (tais como cortes constitucionais, órgãos de auditoria independentes e agências investigativas) para proteger os direitos dos cidadãos contra ingerências indevidas do governo.”
(PÉREZ-LIÑAN, Aníbal. Democracies. In: Comparative Politics. Org. Daniele Caramani. 4 ed. Oxford University Press, 2017. p. 85)
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