Era 20 de junho quando Rebeca Barbosa, de 33 anos, chegava em casa após um plantão noturno no hospital. Enfermeira e funcionária pública em Timon (MA), ela não imaginava que aquele seria o último dia em que veria o mundo da mesma forma. Um disparo no rosto, feito por seu ex-marido, com quem viveu 12 anos de casamento, mudaria sua vida para sempre.
Hoje, com 20% da visão no olho esquerdo e sem visão no direito devido ao calor dos estilhaços do projétil, Rebeca não se vê como vítima. Ela se enxerga como milagre. E sua história, contada no Agosto Lilás, mês de conscientização sobre a violência contra a mulher, serve como alerta e exemplo de superação.
“Como enfermeira, sempre cuidei dos meus filhos, do meu pai, da minha equipe enquanto coordenadora”, relembra Rebeca. Mas por trás da imagem de mulher forte que mantinha, escondia-se uma realidade que muitas conhecem, mas poucas revelam.
A violência psicológica havia se instalado em sua vida de forma gradual. “Eu vestia uma capa como se tivesse tudo bem, nunca dei sinais para ninguém. Sofria violência psicológica, mas eu normalizava essa violência”, confessa.
Era o ciclo da violência doméstica: o isolamento, a normalização, o silêncio que precede a tragédia.
Violência Dupla: ser mulher e enfermeira
O caso de Rebeca revela uma dupla vulnerabilidade: ser mulher e profissional da enfermagem. Como enfermeira, ela dedicava os dias cuidando de outros, mas voltava para casa onde enfrentava violência psicológica. Essa realidade é mais comum do que se imagina. No Maranhão, por exemplo, episódios recentes mostram como profissionais de enfermagem, categoria majoritariamente feminina, sofrem agressões tanto no trabalho quanto em casa.
Recentemente, uma técnica de enfermagem foi agredida por um pai dentro de um hospital em São Luís, e outra foi assassinada por um vigilante na Unidade Mista do Coroadinho. Para mulheres como Rebeca, que cuidavam de outros durante o dia e sofriam violência doméstica à noite, a dupla exposição torna o quadro ainda mais grave.
Quando a escuridão vira luz
De acordo com Rebeca, o prognóstico médico era devastador. As chances da enfermeira voltar a enxergar eram mínimas, mas ela carregava dentro de si uma certeza que a medicina não conseguia medir: “Deus ia me tirar da escuridão”.
A cirurgia realizada em Goiânia foi um marco na jornada de reconstrução. Contra todas as expectativas, deu certo. O olho esquerdo recuperou 20% da visão, o suficiente para que Rebeca enxergasse além das limitações físicas e compreendesse sua nova missão de vida.
Agora, em processo de readaptação para viver sua própria vida, ela descobriu que sua maior força não estava na visão que perdeu, mas na voz que encontrou.
A voz que ecoa no Agosto Lilás
“Hoje eu sou um milagre, hoje eu sou voz contra a violência contra a mulher”, declara Rebeca, transformando seu testemunho em ferramenta de conscientização. Sua mensagem é direta e urgente, especialmente durante o Agosto Lilás, quando o Brasil inteiro volta os olhos para uma realidade que não pode mais ser ignorada.
“Se não quiserem falar, deem sinais para que não cheguem a essa situação”, alerta. É um apelo desesperado de quem conhece o abismo e voltou para contar a história.
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