EDITORIAL IMARANHÃO: Quando o poder judiciário se transforma em sede de insubmissão às leis

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Num cenário de crescente descrédito do Poder Judiciário – o mais caro das democracias contemporâneas – não se encontra uma resposta óbvia para o fato de que o próprio órgão encarregado de aplicar as leis no Brasil parece ter decidido virar o primeiro a sabotar as leis que, ironicamente, deveria fazer cumprir.

Pois, se o Judiciário é o guardião da legalidade, por que insistir em inventar subterfúgios para driblar o cumprimento da lei que estabelece o teto máximo do funcionalismo público?

Em entrevista recente concedida ao Imaranhão, o ex-juiz de Barreirinhas, Dr. Fernando Barbosa, não poupou palavras para justificar o fenômeno dos supersalários na magistratura maranhense (e nacional) – cujo teto constitucional -, por sinal, é o mesmo salário de um Ministro do STF. Segundo Barbosa, a realidade é a de que possuímos juízes comprometidos com a aplicação da Justiça e recebem salários não condizentes às suas responsabilidades. A contradição, é claro, não passa despercebida por um olhar mais atento.

A recente tentativa do governo Lula da Silva – por meio da PEC 45 -, de controlar os salários exorbitantes na administração pública, foi recebida pelos magistrados com argumentos que mais se assemelham a retórica: “Quarenta por cento dos magistrados já possuem os requisitos para aposentadoria, e, se a PEC for aprovada, muitos poderão simplesmente optar por se aposentar”, dizem.

Ora, essa análise – que beira a matemática de bolso – parece ter sido elaborada com números chutados para desviar o (verdadeiro) debate da qualidade dos serviços prestados e da eficiência administrativa.

Afinal, nada melhor do que esconder, sob a ‘capa da eficiência’, o fato de que os juízes e desembargadores, mesmo ocupando a mais alta escala salarial do serviço público, não estão imunes aos escândalos envolvendo a venda de sentenças e negociações obscuras como as recentes noticias de vendas de sentenças nos tribunais de Mato Grosso, Ceará e Bahia.

Como se tudo já não fosse o suficientemente grave, em reportagem do Folha de São Paulo, fomos informados que o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, sem qualquer respaldo legal, utilizar os rendimentos dos depósitos judiciais para “financiar” seus penduricalhos administrativos, enquanto a remuneração média dos desembargadores paulistas ultrapassa, confortavelmente, a marca dos R$ 75 mil mensais – uma “brincadeira” que, gera um custo adicional de R$ 2,6 bilhões aos cofres paulistas.

 

Soa quase como escárnio observar como se defende que tais recursos – que não pertencem ao Judiciário – seriam aplicados “em benefício de toda a população, mediante expansão e aperfeiçoamento da atividade jurisdicional”.

Curiosamente, em nenhum momento se discute a legalidade de apropriar os juros de recursos alheios. O que se ouve, em vez disso, são narrativas que, em sua pretensão moral, atentam contra uma instituição outrora dedicada ao cumprimento da lei.

A sociedade brasileira, já sufocada pela carestia que a empurra para um abismo financeiro, anseia – e com razão – por um mínimo de respeito à “honorabilidade” dos nossos julgadores. Não seria pedir demais que os nobre juízes apresentassem argumentos jurídicos fundamentados em dados reais sobre como uma justiça pode ser, simultaneamente, tão cara e tão ineficiente? Pois, por favor, evitem chamar de indenizatório o que é, em essência, remuneratório e sujeito a teto e tributos. Essa confusão deliberada entre remuneração e indenização é uma técnica de burla constitucional que muitos aprenderam, mas que deveriam ter superado já há muito.

Portanto, não nos vale o velho truque moralista – aquele que tenta derivar um “ser” de um “dever-ser” –, misturando fatos com normas, como se bastasse invocar a existência de um teto para provar que “juízes e desembargadores, por aí, obedecem rigorosamente esse limite”.

E, por favor, abstenham-se de responder com meros negacionismos orçamentários e palavras desconectadas da realidade de nossa sociedade. Se for preciso, não apelamos para a exaustividade do dia desses nobres magistrados ou para o fato de serem os profissionais mais estudados e importantes do país. Afinal, a elegância está em admitir que salário além da lei não previne, por si só, a corrupção judicial – uma contradição de proporções quase trágicas.

Fica, assim, o pedido – não de ataques coordenados ou difamatórios –, mas de uma explicação decente que, pelo menos nos permitisse entender a existência de uma Justiça que insiste em ser, ela mesma, a primeira a desafiar as leis que jurou fazer cumprir.

 

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Da Redação

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