Editorial: Aforamentos e a urgência de uma gestão patrimonial responsável em Barreirinhas

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A Lei Orgânica Municipal (LOM) é a lei mais importante de um município, estabelecendo as regras de funcionamento da própria administração e dos poderes municipais. É uma espécie de Constituição Municipal, orientando e fiscalizando a vida pública do município. Logo, sendo o modelo do qual se deve irradiar todas as normas municipais, resta claro que nenhuma lei pode contrariar o que nela está disposto.

Pois bem, a Lei Orgânica Municipal de Barreirinhas é clara ao dispor, em seu Art. 18, que o prefeito municipal pode conceder título de aforamento das terras do patrimônio público local, sendo complementado pelo Art. 13, do Ato das Disposições Organizacionais Transitórias.
Contudo, na prática administrativa recente, verifica-se um preocupante descompasso com o princípio da hierarquia da leis, implicando dizer que normas inferiores não podem conter normas que estejam em desacordo a LOM. É que diversas propostas legislativas têm sido encaminhadas à Câmara Municipal sem levar em conta a vigência e a validade dos aforamentos concedidos em gestões anteriores, em flagrante contradição com o próprio texto orgânico. Essa postura negligencia não apenas a lei local, mas também o arcabouço jurídico mais amplo que rege a administração dos bens públicos.

Nesse contexto, bom saber que o Código Civil de 2002 proibiu a constituição de novos contratos de aforamentos, mas as que foram regularmente instituídas antes de sua vigência continuam válidas e regem-se pelas disposições do Código Civil de 1916. Ignorar esse fato equivale a tratar como inexistente uma modalidade contratual legítima, com efeitos regularmente registrados, e que não pode ser simplesmente extinta sem observância das formalidades legais — inclusive o pagamento do resgate, quando for o caso.
A esse cenário, somam-se problemas estruturais que dificultam a gestão do patrimônio público em Barreirinhas. Há, por exemplo, desconhecimento acerca da totalidade dos bens imóveis municipais, ausência de demarcação adequada dos terrenos, lacunas de informações e insuficiência de pessoal capacitado para tratar de regularização fundiária e fiscalização. Tais falhas, acabam por inviabilizar a adequada contabilização e controle desses bens, bem como a implementação de políticas públicas que dependem da ocupação ordenada do solo.
De outro ângulo, a falta de clareza e de integração entre os diversos órgãos responsáveis — desde setores técnicos e ambientais até o assessoramento jurídico — aprofunda a confusão. Quando não há um sistema administrativo de gestão e controle de bens imobiliários bem estruturado, ou quando as minutas padrão de contratos e atos administrativos inexistem, o risco de decisões ilegais ou ineficientes se multiplica. Some-se a isso o fato de a legislação aplicável ser esparsa e pouco compilada, o que complica ainda mais a interpretação e a aplicação das normas.
É fundamental lembrar que o regime jurídico dos bens públicos difere daquele aplicado aos bens privados, pois deve observar princípios como legalidade, moralidade, eficiência, impessoalidade, função social da propriedade e supremacia do interesse público.
Em Barreirinhas, a coexistência de aforamentos válidos e o imperativo de cumprir a Lei Orgânica não podem ser ignorados. Qualquer iniciativa que desconsidere tais títulos regularmente constituídos viola frontalmente esses princípios, além de colocar em risco a segurança jurídica e a própria credibilidade do poder público municipal.

Diante disso, urge que a gestão municipal de Barreirinhas promova uma revisão criteriosa dos atos administrativos que, em aparente desacordo com a Lei Orgânica, desprezam a vigência dos aforamentos anteriormente concedidos. É imprescindível realizar um levantamento detalhado dos bens públicos, regularizar as pendências, aparelhar os órgãos responsáveis com pessoal qualificado e modernizar os sistemas de controle e fiscalização. Somente assim será possível assegurar o uso correto e a preservação do patrimônio imobiliário municipal, bem como garantir a observância dos direitos daqueles que, de boa-fé, possuem títulos de aforamento.

Ignorar a legalidade desses contratos não apenas fere a legislação, mas fragiliza o interesse público, que deveria ser defendido pela Administração. Nesse sentido, cabe aos vereadores, gestores e cidadãos de Barreirinhas exigir transparência, planejamento e respeito à lei. Afinal, a construção de um município próspero e justo passa pela correta gestão de seus bens e pela observância dos princípios que regem o direito público — sob pena de transformar o patrimônio municipal em palco de insegurança jurídica e retrocessos administrativos.

 

 

 

 

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