Conheça o grupo místico com quem Luís Roberto Barroso fará retiro espiritual

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O ministro Luís Roberto Barroso do STF irá para um retiro espiritual durante a última semana de outubro. Ele mesmo anunciou o período sabático durante uma entrevista à GloboNews no dia 18 de setembro deste ano.

Durante a conversa, Barroso revelou que, após deixar a presidência do Supremo (o que ocorreu no dia 29 de setembro), precisará decidir se vai se aposentar antecipadamente. Como ele tem 67 anos, faltariam 8 anos para a aposentadoria compulsória.

Mas o que chama a atenção é a vertente espiritualista de Barroso. Segundo a colunista do UOL Carla Araújo, o retiro espiritual será organizado pela Brahma Kumaris, um grupo de meditação e Yoga criado na Índia nos anos 30.

E segundo a jornalista, não será a primeira vez. “Barroso faz retiros espirituais anuais”, explica. Ela também reforça que, por uma questão de segurança, não poderá dizer o local exato, embora destaque que não será no Brasil, nem na Índia.

Como característica mais marcante, Araújo aponta que após a criação da organização, o grupo Brahma Kumaris passou a ter uma gestão puramente feminina. “Dizem que é a maior organização espiritual liderada por mulheres”, comenta.

Universidade espiritual associada à ONU

A Brahma Kumaris é um movimento espiritual fundado em 1937 por Lekhraj Kripalani, também conhecido como Brahma Baba. Com sede em Mount Abu, na Índia, a organização se apresenta como uma universidade espiritual que promove a meditação raja yoga.

O grupo enfatiza a pureza, a não-violência e a transformação pessoal por meio do autoconhecimento. Presente em mais de 110 países, segundo o site oficial, a organização exerce “amplo impacto em muitos setores” e atua “como uma ONG internacional”.

Ainda no site institucional, eles se apresentam com uma estreita relação com as Nações Unidas desde 1980, quando obteve status associado junto ao Departamento de Informação Pública (DPI).

Ao longo dos anos, a Brahma Kumaris conquistou diferentes reconhecimentos dentro do sistema da ONU, incluindo Status Consultivo Geral junto ao Conselho Econômico e Social (ECOSOC) desde 1983, e status consultivo junto ao UNICEF desde 1987.

O grupo atua ainda como membro principal de programas de educação rural da FAO (Food And Agriculture Organisation) da ONU desde 2007 e como organização observadora em convenções ambientais, como a UNFCCC (Convention on Climate Change) desde 2009 e a Assembleia Ambiental da ONU (UNEP) desde 2014.

Entre os princípios da Brahma Kumaris, eles dizem “estar alinhados” com o preceito contido na Carta das Nações Unidas de “promover a conscientização e destacar o propósito e os princípios da ONU.”

Relatos de abusos sexuais

Em 2013, uma mulher denunciou ter sido estuprada pelo coordenador da filial Brahma Kumaris em Patna, Índia. Segundo a denúncia, os abusos começaram quando ela ingressou na instituição, evoluindo de assédio para relações forçadas. O laudo médico inicial confirmou as alegações, incluindo um aborto. A polícia indiana deteve quatro membros da organização. Representantes da Brahma Kumaris negaram que os envolvidos fossem oficialmente membros, alegando que ambos já haviam sido afastados por má conduta. O caso gerou repercussão na mídia indiana.

Outro relato de escândalo na organização ocorreu em 2020, quando uma mulher de 26 anos diz ter sido estuprada pelo próprio guru da organização. A jovem era devota desde os sete anos de idade e morava no albergue da Brahma Kumaris em Kuala Lumpur, capital da Malásia.

Histórico com grupos místicos controversos

Obviamente, o ministro não tem qualquer relação com os casos. Mas há de se recordar que não é a primeira vez também que Barroso procura por grupos controversos. Em 2012, o ministro foi diagnosticado com câncer no esôfago, e, por meio do ex-ministro Ayres Britto, ele recorreu ao médium João de Deus, o qual posteriormente teve graves acusações de abusos sexuais.

Na ocasião, após as denúncias contra João de Deus, que levaram à sua condenação, Barroso expressou respeito pelas vítimas e evitou julgamentos públicos sobre o caso. O ministro destacou que sua experiência pessoal com o médium foi pessoal e limitada, sem se engajar em justificar ou minimizar os crimes cometidos.

Acusações de lavagem cerebral e uso de drogas

Em uma rede social, centenas de relatos de familiares de membros lamentam a manipulação psicológica da Brahma Kumaris. Uma pessoa explica que a parente “doou uma grande quantia do dinheiro da família e deixou todos para trás a fim de se dedicar a um ashram” (local onde realizam os rituais). Ela explica que após o retorno, “agora está tentando atrair mais pessoas para a seita”, além de falar constantemente “sobre uma tal de satyug que vai chegar em 2036, quando, segundo ela, quem não aceitar a seita vai morrer”.

Na mesma plataforma, um jovem de 16 anos pede ajuda para livrar a família da Brahma Kumaris. Segundo ele, a seita “manipulou seus pais a acreditar em besteiras quando eles estavam em uma condição vulnerável após a morte de suas mães”. Entre esses, vários outros relatos parecidos apontam a dificuldade em sair da seita e que a instituição não se importa se a crença causa brigas familiares.

Uma ex-membro da seita conta que entre 2011 e 2024, viveu um “relacionamento abusivo disfarçado de espiritualidade” em um centro de meditação do Brahma Kumaris em Mount Abu, Rajastão. O vínculo começou com promessas de valores, cura emocional e serviço espiritual, mas, segundo o relato, evoluiu para manipulação psicológica. A autora afirma que sua vulnerabilidade foi estudada e usada contra ela.

Seu depoimento acusa a distribuição de “prasad” (ofertas consagradas) supostamente adulteradas com drogas dissociativas como quetamina, benzodiazepínicos e barbitúricos para induzir calma, sonolência, submissão e aceitação de crenças impostas. A mulher diz possuir provas e descreve os papéis de diferentes pessoas do grupo que agiam para mantê-la presa na seita e impedir sua libertação.

Profecias e revelações mediúnicas

Em uma página da internet, alguns ex-membros da Brahma Kumaris criaram uma coletânea de ensinamentos da organização. Nela, descrevem-na como uma seita espiritualista milenarista, baseada em ensinamentos mediúnicos de uma entidade espiritual que os adeptos acreditam ser o deus de todas as religiões.

“A liderança da organização mantém grande segredo sobre seus ensinamentos originais, chamados de ‘Sakar Murlis’”, apontam. Esse conhecimento, no entanto, seria desconhecido de outras religiões.

Apesar de alegarem seguir o Raja Yoga e tradições hindus, eles explicam que a Brahma Kumaris utiliza linguagem de movimento New Age e de prosperidade pessoal para atrair novos adeptos.

O site expõe que mensagens mediúnicas do grupo já foram constantemente reescritas para remover previsões falhas, como suas previsões escatológicas. Já foi anunciado para ocorrer em 1950, 1976, na década de 80 ou nos anos 2000. Mas agora a nova data do “fim do mundo” foi reajustada para 2036.

Sobre esse evento, a seita acredita que a humanidade passará por uma “Destruição”, na qual bilhões de pessoas morrerão. Mas cerca de 900 mil seguidores fiéis herdarão um paraíso na Terra. A hierarquia espiritual e o acesso ao “céu terreno” estariam condicionados à submissão total, trabalho gratuito e doações financeiras, sendo que a liderança da organização é que se beneficiaria diretamente desse sistema.

Os ex-membros da seita denunciam que a organização tem histórico de encobrir abusos sexuais, suicídios, corrupção financeira, manipulação familiar, casamentos em massa de meninas virgens com a entidade espiritual e perseguição de grupos minoritários.

Além disso, explicam que “O Deus da Brahma Kumaris exerce uma constante pressão para que os adeptos da BK atraiam e recrutem pessoas importantes ou VIPs”, a fim de que atuem como “microfones” da organização, difundindo sua mensagem para um público mais amplo.

Eles ainda explicam que os líderes oferecem “presentes e privilégios” para esse tipo de personalidade. Talvez um ministro do Supremo no Brasil possa ser considerado um VIP e receber privilégios? Tão secreto quanto o local do retiro de Barroso é o tratamento que ele deve receber.

E o iluminismo do ministro?

Luís Roberto Barroso, em diversas ocasiões já elogiou o Iluminismo, movimento que culminou na Revolução Francesa de 1789. Segundo o ex-presidente do Supremo, o STF teria papel “iluminista” para forçar outros Poderes a adotarem agendas mesmo que não façam parte de um projeto de governo eleito democraticamente ou que não representem um anseio majoritário da sociedade.

Pode parecer contraditório que um ministro defensor da proposta contratualista do iluminismo defenda uma agenda oposta e uma faça retiros espirituais em uma seita sem fundamentação racional. Mas é sobre essa incoerência que o doutor em história pela USP Orlando Fedeli dedicou grande parte da sua vida. Em Antropoteísmo – A Religão do Homem, o historiador afirma que, em nome da razão, os revolucionários adotaram práticas contraditórias, como a violência e a intolerância, que resultaram em tirania e terror.

Fedeli argumenta que a Revolução Francesa, ao promover o culto à “deusa Razão”, reflete uma tentativa de divinizar a razão humana e se alia ao panteísmo, que vê Deus em tudo, e à gnose, que busca um conhecimento oculto e esotérico. Fedeli diz que tanto o panteísmo quanto a gnose compartilham a ideia de que o homem pode alcançar um estado divino ou transcendente através da razão (no caso do panteísmo) ou do conhecimento esotérico (no caso da gnose).

O autor afirma que essas duas correntes se uniram na Revolução Francesa, que ficou marcada como exemplo histórico de como a razão, quando desvinculada da moralidade e da verdade, pode levar a excessos irracionais.

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Da Redação

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