Cargos disputados da PF no exterior que serviam de barganha política terão seleção interna

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A Polícia Federal abriu no início deste mês um processo seletivo interno para preencher vagas de adidância e oficialato no exterior. A iniciativa marca uma mudança em relação aos últimos anos, quando os cargos foram usados para atender interesses políticos de forma mais acentuada nos governos Michel Temer e Jair Bolsonaro.

 

O regramento para a seleção de dois adidos, um adido-adjunto e um oficial de ligação foi publicado em uma portaria da Diretoria de Cooperação Internacional da PF assinada pelo diretor da divisão, Valdecy Urquiza.

O processo, que já está em andamento, prevê diversas etapas de seleção, das quais a última será a avaliação por uma espécie de banca formada por chefes de divisão na PF. Nos governos anteriores, especialmente sob Bolsonaro, essas vagas eram usadas como forma de barganha para tirar do cargo sem tumultos delegados que se opunham à interferência política em investigações da corporação.

 

Os cargos de adido policial em embaixadas e escritórios de organizações internacionais são disputadíssimos na PF em função do prestígio e dos benefícios que incluem, como salários pagos em dólar e mudança toda custeada pelo governo. As remunerações, não foram discriminadas na portaria da PF, mas variam de US$ 15 mil a US$ 20 mil, segundo fontes ouvidas pela equipe do blog.

A primeira seleção será para vagas em escritórios para o oficialato da PF junto ao Departamento Contra o Crime Organizado Transnacional da Organização dos Estados Americanos (OEA) em Washington, nos Estados Unidos, e nas unidades da corporação em Santiago, no Chile, e Ottawa, no Canadá em missões que durarão de dois a três anos.

 

Delegados, agentes, escrivãos e papiloscopistas poderão participar do processo que terá três fases. Na primeira, será analisado o histórico do servidor, na segunda, o currículo e, na terceira, o desempenho em uma entrevista presencial.

Serão levados em conta, ainda segundo a portaria da PF, o “atuação na Polícia Federal, afinidade com as atribuições da função, capacidade de liderar ou trabalhar em equipes, aptidão para o desempenho de funções sem ou com pouca supervisão direta”.

 

Também vão ser analisados se o candidato tem fluência em inglês (nas vagas dos EUA e do Canadá) e espanhol (no caso do Chile), se o candidato tem experiência de gestão e em temas relacionados ao posto, se não foi alvo de procedimentos disciplinares que tenham durado mais de 30 dias e nem de condenações em processos criminais transitados em julgado.

Na fase final, os candidatos serão entrevistados por uma comissão formada por três representantes das diretorias de Cooperação Internacional, de Gestão de Pessoas e da Executiva. A relação dos selecionados será então enviada para o diretor-geral da corporação, Andrei Passos, que foi indicado por Lula e dará a palavra final.

 

Os critérios técnicos, porém, nem sempre orientaram as escolhas para adidâncias. Como publicamos no blog em agosto de 2021, o deputado federal Eduardo Bolsonaro e seu pai, o então presidente Jair Bolsonaro, emplacaram aliados próximos dentro da Polícia Federal em postos no exterior sem o processo seletivo que a PF sob Lula decidiu implementar.

 

Na época, a família presidencial emplacou dois policiais federais para cargos nos Estados Unidos e Portugal. A dupla, porém, estava cedida a outras instituições e, portanto, fora da PF na ocasião de suas indicações.

O papiloscopista João Paulo Dondelli, por exemplo, se mudou para Lisboa para assumir a vaga de adido-adjunto. Dondelli atuou na segurança de Bolsonaro na campanha de 2018 e deteve Adélio Bispo no momento da facada sofrida pelo então candidato em Juiz de Fora (MG), em setembro de 2018, a um mês do primeiro turno. Ele tinha passagens por diferentes secretarias no Palácio do Planalto.

Já o agente Fabrício Scarpelli, amigo pessoal de Eduardo, foi nomeado em março de 2021 oficial de ligação em Miami. O cargo está relacionado a missões em organismos estrangeiros como a Interpol e a ONU.

 

Antes de ser nomeado, Scarpelli trabalhava como assessor especial da Casa Civil, também no Planalto, pasta então sob o comando do general Luiz Eduardo Ramos.

Bolsonaro também indicou diretores da gestão de Maurício Valeixo, pivô da queda do então ministro da Justiça, Sergio Moro, para cargos no exterior. O próprio Valeixo, demitido em meio a uma disputa de poder entre o então presidente e Moro na corporação, iria assumir uma adidância em Portugal como prêmio consolação, mas a nomeação jamais saiu.

Na gestão Temer, o então presidente indicou Fernando Segovia, recém-demitido da direção-geral da PF, como adido na Itália. Outros integrantes da cúpula da polícia foram nomeados para cargos no exterior na época.

 

No início do atual governo, Lula chegou a revogar 18 nomeações de Bolsonaro para adidâncias no exterior feitas após a derrota do então presidente no segundo turno de 2022, mas os cargos estavam vinculados a outras agências e ministérios que não a PF. A gestão do PT também recriou a figura dos adidos tributários e aduaneiros em diversas capitais estrangeiras, com indicação pelo Ministério da Fazenda após consulta ao Itamaraty.

A portaria da Polícia Federal não especifica quando o processo seletivo será concluído. Apenas detalha que o resultado será divulgado no boletim interno da corporação. Mas o oficial de ligação escolhido para atuar em Washington já tem data para embarcar: 14 de dezembro deste ano.

 

Já o adido de Santiago viaja no fim de janeiro de 2025. Seu adido-adjunto, por sua vez, só assumiria o cargo em junho do próximo ano. O selecionado para a adidância do Canadá viaja em fevereiro.

Procurada para comentar o processo seletivo, a assessoria de imprensa da direção-geral da PF não retornou o contato. O espaço segue aberto.

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Da Redação

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