Câmara aprova texto-base de projeto de regulamentação da reforma tributária

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O plenário da Câmara dos Deputados aprovou, na noite desta quarta-feira (10), o parecer para o projeto de lei complementar (PLP 86/2024) que trata da regulamentação da reforma tributária dos impostos sobre o consumo.

 

O texto, sob a relatoria-geral do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), recebeu 336 votos favoráveis e 142 contrários, enquanto outros 2 parlamentares se abstiveram. Foram 79 a mais do que o mínimo necessário para o avanço da matéria, que, por se tratar de projeto de lei complementar, exige quórum de maioria absoluta (257 votos) na casa legislativa.

Agora, os parlamentares analisam os destaques apresentados pelas bancadas partidárias, com sugestões de alterações ao texto principal aprovado. Superada esta etapa, ele será encaminhado ao Senado Federal, onde também precisará do apoio da maioria dos integrantes (ou seja, pelo menos 41 dos 81 representantes) para avançar.

Este é o primeiro projeto de lei complementar que avança sobre a regulamentação de pontos tratados na Emenda Constitucional (EC 132/2023) da reforma tributária, promulgada pelo Congresso Nacional no fim do ano passado. O outro, com foco em questões federativas, deverá ser votado pelos deputados apenas em agosto.

O texto aprovado se debruça sobre a construção da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), além do Imposto Seletivo (IS), que substituirão um conjunto de 3 tributos federais (PIS, Cofins e IPI) e de outros 2 subnacionais (ICMS e ISS).

Ele também aborda os regimes específicos de tributação, regras para alíquotas, normas de incidência, o sistema de créditos e devolução de tributos recolhidos e a aplicação do princípio da não cumulatividade. Além de setores favorecidos por alíquotas reduzidas, da criação da Cesta Básica Nacional, dos incentivos à Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio e das regras de transição e constituição dos fundos de compensação.

O projeto é tratado como prioridade pela equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que se esforça para concluir o debate da regulamentação da reforma tributária dos impostos sobre o consumo no Congresso Nacional ainda em 2024.

Ele também é estratégico para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que fez da reforma tributária cavalo de batalha e quer transformá-la em um dos principais legados de sua gestão à frente da casa legislativa. O assunto vinha sendo discutido sem avanços no país há mais de três décadas.

O projeto de lei complementar contou com um regime de tramitação peculiar, que garantiu maior celeridade de tramitação à matéria em um ano de eleições municipais (em que há preocupações com quórum no parlamento no segundo semestre), estimulou a construção de consensos entre lideranças partidárias desde o princípio e impôs blindagens à pressão de lobbies.

Isso porque, em vez de tramitar pelas comissões temáticas, onde os blocos partidários são representados de forma proporcional ao plenário, o texto foi discutido em um Grupo de Trabalho (GT) − colegiado sem regras de funcionamento tão claras no regimento interno da casa legislativa.

O foro foi integrado por 7 integrantes de partidos distintos − além de Reginaldo Lopes, os deputados Augusto Coutinho (Republicanos-PE), Claudio Cajado (PP-BA), Hildo Rocha (MDB-MA), Joaquim Passarinho (PL-PA), Luiz Gastão (PSD-CE) e Moses Rodrigues (União Brasil-CE) −, que tiveram a missão de construir um texto de consenso.

A escolha do relator foi feita apenas no momento em que a matéria foi a plenário e passou pelos ajustes finais. O governo federal e integrantes do GT estabeleceram como objetivo evitar concessões a pleitos setoriais, de modo a manter a espinha dorsal do projeto encaminhado pelo Ministério da Fazenda e a alíquota final do novo sistema tributário próximo ao patamar estimado de 26,5% para a manutenção da carga atual.

O que está em jogo?

A reforma tributária cria um Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) no formato dual, composto por dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) ‒ e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

O primeiro substituiria três tributos federais: a Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI). E o segundo substituiria o estadual Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) e o municipal Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

O modelo busca estabelecer uma definição ampla para o fato gerador do novo tributo, sem diferenciação entre produtos e serviços, e garantir a não cumulatividade plena (ou seja, acabar com o chamado “efeito cascata”), com dedução do tributo que incide sobre as operações anteriores, mesmo que indiretamente relacionado à atividade produtiva, em um sistema de crédito financeiro. Também fica estabelecido o regime de cobrança “por fora”, no destino das operações com bens e serviços. Conceitos que são aprofundados no projeto de lei complementar aprovado.

No novo sistema, o IVA dual contará com uma alíquota padrão, outra diferenciada (com redução de 60% em relação à primeira) e uma terceira zerada. Mas não há indicação sobre qual tende a ser o patamar necessário de cobrança no início do funcionamento pleno do novo regime ‒ o que deve depender da versão final aprovada. Quanto maior for a lista de exceções, mais elevada terá de ser a alíquota padrão cobrada a todos os setores não contemplados por regimes especiais e benefícios.

Pelo texto, ficam reduzidas em 60% as alíquotas de IBS e CBS incidentes sobre operações com os seguintes bens e serviços:

  1. serviços de educação;
  2. serviços de saúde;
  3. dispositivos médicos;
  4. dispositivos de acessibilidade próprios para pessoas com deficiência;
  5. medicamentos;
  6. alimentos destinados ao consumo humano;
  7. produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda;
  8. produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
  9. insumos agropecuários e aquícolas;
  10. produções nacionais artísticas, culturais, de eventos, jornalísticas e audiovisuais;
  11. comunicação institucional;
  12. atividades desportivas; e
  13. bens e serviços relacionados a soberania e segurança nacional, segurança da informação e segurança cibernética.

Pelo texto, ficam reduzidas a zero as alíquotas de IBS e CBS incidentes sobre operações com os seguintes bens e serviços:

  1. dispositivos médicos;
  2. dispositivos de acessibilidade para pessoas com deficiência;
  3. medicamentos;
  4. produtos de cuidados básicos à saúde menstrual;
  5. produtos hortícolas, frutas e ovos;
  6. automóveis de passageiros adquiridos por pessoas com deficiência ou com transtorno do espectro autista;
  7. automóveis de passageiros adquiridos por motoristas profissionais que destinem o automóvel à utilização na categoria de aluguel (táxi); e
  8. serviços prestados por Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT) sem fins lucrativos.

As listas específicas de cada produto que estão nos grupos de alíquotas podem ser verificadas clicando aqui (a partir da página 293 do relatório). Nos casos de alimentos e medicamentos, por exemplo, é necessário verificar individualmente os produtos desejados, já que as alíquotas podem variar entre 0% e 30% da alíquota padrão.

O projeto de lei complementar cria a Cesta Básica Nacional, com produtos que também são isentos da cobrança de CBS e IBS. Neste caso, são listados 18 categorias de produtos destinados à alimentação humana. Veja a lista:

  1. Arroz;
  2. Leite fluido pasteurizado ou industrializado, na forma de ultrapasteurizado, leite em pó, integral, semidesnatado ou desnatado; e fórmulas infantis definidas por previsão legal específica;
  3. Manteiga;
  4. Margarina;
  5. Feijões;
  6. Raízes e tubérculos;
  7. Cocos;
  8. Café;
  9. Óleo de soja e óleos de babaçu;
  10. Farinha de mandioca;
  11. Farinha, grumos e sêmolas, de milho; e grãos esmagados ou em flocos, de milho;
  12. Farinha de trigo;
  13. Açúcar;
  14. Massas alimentícias;
  15. Pão do tipo comum (contendo apenas farinha de cereais, fermento biológico, água e sal);
  16. Óleos de milho;
  17. Aveia;
  18. Farinhas;
  19. Proteínas animais;
  20. Peixes;
  21. Queijos;
  22. Sal.

Os últimos quatro itens foram incluídos na lista após um acordo costurado em plenário, em meio à pressão da bancada do agronegócio. Antes os produtos estavam na lista reduzida em 60% do novo IVA dual.

O texto aprovado pelos deputados também traz previsão de um modelo de devolução de imposto a pessoas físicas (mecanismo que ficou conhecido como “cashback”), aplicável a contribuintes de baixa renda e grupos menos favorecidos da sociedade, com objetivo de reduzir desigualdades de renda.

Serão elegíveis aos benefícios responsáveis por unidade familiar de baixa renda cadastrados no Cadastro Único para programas sociais do governo federal (CadÚnico) e que cumprir os seguintes requisitos: possuir renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo nacional; ser residente no país e possuir inscrição ativa no CPF.

Pela regra, o percentual a ser aplicado de “cashback” será de 100% para a CBS e 20% para o IBS , na aquisição de botijão de 13 kg de gás e nas operações de fornecimento de energia elétrica, água, esgoto e gás natural; e 20% para a CBS e para o IBS nos demais casos. A União, os Estados e Municípios poderão, por lei específica, fixar percentuais de devolução da sua parcela dos tributos superiores aos previstos.

Mudanças

Durante as discussões sobre a regulamentação da reforma tributária, 4 pareceres foram apresentados pelo relator Reginaldo Lopes, com ajustes diversos sobre as versões anteriores.

A versão votada apresentou mudanças como:

  • devolução de 100% da CBS da energia, água e gás para pessoas de baixa renda;
  • alíquota máxima de 0,25% para os minerais – contra o máximo de 1% estipulado pela emenda constitucional;
  • redução de 30% nos tributos para planos de saúde de animais domésticos;
  • todos os medicamentos não listados em alíquota zero contarão com redução de 60% da alíquota geral; e
  • turista estrangeiro contará com devolução dos tributos por produtos comprados no Brasil e embarcados na bagagem.

(com Agência Câmara)

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