“Hoje podemos dar um alento às famílias e um exemplo para a sociedade para que crimes como esse que não voltem a acontecer”, afirmou o promotor de Justiça do Ministério Público de Santa Catarina, Bruno Poerschke Vieira, após a leitura da sentença de Fabiano Kipper Mai, autor da chacina na creche Pró-Infância Aquarela, em Saudades, no Oeste de Santa Catarina.
O autor foi condenado a 329 anos e 4 meses de prisão em regime inicialmente fechado. A decisão dos sete jurados foi lida na sentença.

Vieira ressaltou que o MPSC (Ministério Público de Santa Catarina) não admite esse tipo de crime. “Nem mesmo que cometam esse crime e digam que são loucos e não sabem o que estão fazendo. Foi comprovado nos autos, sabem o que estão fazendo e a sociedade vai punir”, complementou.
Destacou que os municípios de Saudades, Pinhalzinho e Nova Erechim deram um exemplo para o mundo. “Isso serve de exemplo. Não podemos admitir injustiça”.
O promotor observou que apesar da sentença de 329 anos e 4 meses de prisão, a pena máxima cumprida pela lei no Brasil é de 40 anos. “Uma pena justa, mas infelizmente ele não vai poder cumprir toda porque a legislação brasileira assim não o permite”.
Conforme o promotor, todo o processo e a conclusão do juri emocionou os envolvidos. “Era um dever com a sociedade e com as famílias das vítimas que nos dedicássemos ao máximo. A emoção não foi apenas em plenário, cada folha, cada foto que vimos foi dolorido, mas a missão foi cumprida”, afirmou. Vieira ainda ressaltou: “Ele tinha consciência e poderia ter evitado”.
Justiça realizada
“Acredito que hoje, após a fala dos jurados, realmente esse processo se deu por encerrado e a justiça realizada”, afirmou o juiz da Vara Única da Comarca de Pinhalzinho, Caio Lemgruber Taborda,
Taborda enfatizou que foi um julgamento emblemático. “Espero que nunca mais aconteça e ninguém tenha que fazer um processo como esse. Mas dada a complexidade, ter finalizado a sessão nesses dois dias ficará marcado”.

Segundo o juiz foi um caso complexo e com muitas intercorrências durante todo o processo. Entretanto, a sessão do tribunal do juri foi concluída sem nenhuma intercorrência grave.
“A sentença foi longa, assim como a complexidade de todo o processo. Foram mais de 1.500 eventos ao longo de dois anos trabalho. Vários crimes praticados e a sentença foi realizada levando em consideração a peculiaridades de toda a situação”, disse.
Sobre a comoção acerca do juri, o juiz falou que em um processo que envolve emoções tão fortes como as apresentadas todas as pessoas acabam sendo tocadas de alguma forma.
“Não há como, ainda que a figura do judiciário seja imparcial, assim como foi durante todo o processo, apagar o sofrimento das famílias. São situações que tocam qualquer ser humano”, afirmou.
Condenação do autor da chacina
O autor recebeu a sentença de 329 anos e quatro meses de reclusão, em regime fechado.
Também foi condenado ao pagamento de indenização às vítimas, cujos valores foram fixados em R$ 500 mil para cada família de vítima falecida, R$ 400 mil para a família do bebê que foi socorrido a tempo de se recuperar e R$ 40 mil para cada uma das 14 vítimas de tentativa de homicídio. Cabe recurso da decisão.

Assim, as qualificadoras de motivo torpe, uso de meio cruel e emprego de meio que dificultou a defesa da vítima foram admitidas pelo conselho de sentença. Também foi reconhecido o aumento de causa pelo fato de algumas vítimas serem menores de 14 anos.
A pena estabelecida ao réu causou mais um momento de fortes emoções, para ambas as partes. Os familiares e amigos das vítimas foram novamente às lágrimas, dessa vez pelo alívio do final da etapa judicial. Os pais do acusado, que acompanharam o júri do início ao fim, sofreram abalo emocional. Ainda à tarde, eles foram levados ao hospital local por apresentar picos de pressão alta.
Uma das vítimas relatou que a condenação não traz as crianças e colegas de volta, nem apaga as memórias terríveis que carrega, mas traz sensação de segurança para o convívio dos saudadenses.
“A Justiça foi feita! Estou me sentindo aliviada por entender que a condenação dele servirá de exemplo para outros que consideram cometer crimes semelhantes. Precisamos observar nossas crianças e adolescentes para auxiliá-los em dificuldades emocionais e psicológicas para um convívio social mais saudável e harmonioso”, desabafou ao final do júri.
Durante o júri, foram ouvidas três vítimas, três testemunhas de acusação e três testemunhas de defesa. O conselho de sentença esteve composto por seis mulheres e um homem.
Atuaram na acusação, os promotores de justiça Bruno Poerschke Vieira, Douglas Dellazari, Fabrício Nunes e Julio André Locatelli, com assistência do advogado Luiz Geraldo Gomes dos Santos. Na defesa esteve o advogado Demetryus Eugenio Grapiglia.
Primeiro dia de julgamento
Na quarta-feira (9) foram ouvidas as vítimas e testemunhas de acusação e defesa. A sessão começou com o sorteio dos jurados dentre 26 pessoas previamente convocadas. Seis mulheres e um homem compõem o conselho de sentença que decidirá o futuro do réu.
Foram nove pessoas que detalharam o ataque, o socorro imediato na escola e também as avaliações psiquiátricas feitas no réu. Os trabalhos da-feira encerraram com o interrogatório do acusado que usou o direito de permanecer calado.
Depois da formação do conselho de sentença, foram ouvidas três vítimas do ocorrido. Na sequência iniciou a oitiva de testemunhas de acusação, duas presencialmente e uma online.
A defesa ouviu duas testemunhas de maneira remota e outra presencial. Foram dispensadas três vítimas, cinco testemunhas de acusação e uma de defesa.
O ND+ não irá publicar fotos do rosto do assassino, tampouco destacar o nome dele ao longo da cobertura. Também não irá mostrar o rosto das vítimas. A decisão editorial foi feita em respeito às famílias e ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), além de não compactuar com o protagonismo de criminosos.
O dia da chacina
O pacato município de Saudades, distante a 42 km de Chapecó, nunca mais foi o mesmo depois do fatídico 4 de maio de 2021, quando a creche Pró-Infância Aquarela foi alvo do ataque brutal de um jovem de 18 anos. Armado com uma espécie de espada, o rapaz invadiu a escola de educação infantil e matou três bebês, com idades até 1 ano e 9 meses, uma agente educacional, de 20 anos, e uma professora, de 30.
Kerli Adriane Aniecevski, Mirla Amanda Renner Costa e os bebês Sarah Luiza Mahle Sehn, Murilo Massing e Anna Bela Fernandes de Barros foram as vítimas da chacina. O crime completou dois anos em maio de 2023 e teve repercussão internacional.
Conforme a Polícia Civil, o jovem — que morava na cidade — dirigiu-se de bicicleta à creche, localizada na área urbana do município. Ao entrar no local, começou a atacar a professora que, embora ferida, correu para uma sala onde estavam quatro crianças e uma funcionária da escola, na tentativa de alertar sobre o perigo.
O jovem atacou, então, as crianças que estavam na sala e a funcionária. Duas meninas de menos de dois anos e a professora que sofreu o ataque inicial, morreram no local. Outra criança e a funcionária morreram depois no hospital.
Após a chacina, o jovem deu golpes contra si e foi internado. O acusado teve a prisão preventiva decretada no dia 5 de maio de 2021, um dia após o crime, e responde processo por cinco homicídios qualificados, por motivo torpe, cruel e em ação que impossibilitou a defesa das vítimas.
Além disso, é réu por 14 tentativas de homicídio. Ele recebeu alta no dia 12 de maio e foi levado ao Presídio em Chapecó, onde permaneceu preso até a data do júri. Segundo a investigação da Polícia Civil, o jovem planejou o crime e tinha consciência do que estava fazendo quando invadiu a creche.
O delegado Jerônimo Marçal Ferreira, responsável pela investigação do caso, informou, à época, que o acusado confessou o crime. Marçal ainda disse que a agente educacional e a professora foram heroínas ao impedir que o jovem fosse para outras salas, conseguindo com êxito, mesmo que feridas, evitar o pior.
Durante a investigação, que contou até com o apoio da Embaixada dos Estados Unidos, mais de 20 pessoas foram ouvidas, tendo o próprio acusado prestado depoimento no dia 10 de maio, enquanto ainda estava internado, sob custódia policial, no Hospital Regional do Oeste, em Chapecó. A polícia também apreendeu aparelhos eletrônicos e dispositivos pertencentes ao jovem.

No dia 14 de maio de 2021, os delegados realizaram uma coletiva de imprensa após o fim do inquérito, detalhando, entre outras coisas, que o jovem teria escolhido a creche pela fragilidade das vítimas, que tinha plena consciência do que fez e que foi um crime premeditado durante 10 meses.
Os relatórios dos dados e das informações encontradas nos aparelhos eletrônicos do réu demonstram que, durante o período em que planejou o ataque, ele participou de fóruns de discussão na internet sobre crimes violentos e pesquisou serial killers.
Exame de insanidade mental foi negado
A defesa do acusado pediu exame de insanidade mental, mas a Justiça negou três pedidos nos dias 25 de maio, 23 de junho e 7 de julho de 2021.
No dia 5 de agosto, durante uma audiência online, o juiz decidiu ouvir o jovem presencialmente. No dia 24 do mesmo mês, durante a oitiva do acusado, o advogado de defesa apresentou um laudo particular e o juiz Caio Lemgruber Taborda deferiu o pedido para a realização do exame de insanidade mental, o qual foi realizado pela Polícia Científica de Blumenau.
O laudo foi concluído no dia 19 de outubro de 2021 e o juiz solicitou mais detalhes ao perito. A partir disso, o juiz decidiu no dia 2 de fevereiro de 2022 que a questão da insanidade mental será definida no júri.
No dia 7 de fevereiro a defesa questionou em primeira instância a decisão e pediu um novo exame de insanidade mental. O pedido foi negado. Em 1º de maio a defesa entrou com novo recurso pedindo um novo laudo, a Justiça negou a solicitação no dia 28 de junho.
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