Ação do Grupo Mateus desaba após R$ 1 bi de erro em estoque e pressão em governança

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O Grupo Mateus está sob pressão por falhas de governança que expõe um modelo que enfrenta problemas por fraquezas em controles internos, cinco anos após a sua abertura de capital. Desde que comunicou que enfrentou problemas com a contabilidade de estoques e erros em inventário, a ação acumula queda de quase 14%, equivalente a uma perda de R$ 1,9 bilhão em valor de mercado.

Segundo informado pelo grupo na noite de quinta-feira (13), a rede identificou R$ 1,1 bilhão em estoques valorizados no seu balanço patrimonial de 2024 por conta de erros nos cálculos do custo médio das mercadorias vendidas, um dos pontos mais sensíveis nos balanços de varejistas nos últimos tempos.

Com isso, o valor de estoque originalmente apresentado caiu de R$ 6 bilhões para R$ 4,9 bilhões no ano passado, e o patrimônio líquido encolheu em quase R$ 695 milhões, para R$ 9,1 bilhões em 2024.

O tema relativo às deficiências em controles na rede é antigo, inclusive sobre estoques, sendo foco de alertas de auditores em documentos para a companhia anos atrás, segundo levantamento do Valor, e o Mateus decidiu comunicar mudanças neste ano.

Em maio de 2021, formulário de referência da empresa enviado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), relativo à 2020, mostra que a auditoria da época, a Grant Thornton, identificou 42 deficiências moderadas na empresa, e o auditor já dizia que a empresa não acompanhava a evolução de custo histórico do estoque. O IPO do Mateus foi em outubro de 2020.

A auditoria ainda recomendava a implantação de um módulo para visualização e acompanhamento. Formulários de 2020 e 2021 alertavam para a questão como item número um entre os alertas, mas a partir de 2022, as deficiências sumiram dos formulários.

Após aquele ano, passou a existir, na mesma área para a explanação da auditoria sobre controle internos, apenas a informação que os auditores independentes conduziram um estudo, em conexão com a auditoria do balanço de 2020. E com o propósito de determinar a época, a natureza e a extensão dos procedimentos de auditoria. “Mas não para fins de expressar uma opinião específica sobre esses controles internos”, dizia.

Afirmava ainda que, como resultado desse estudo e avaliação, “não foram reportadas deficiências significativas relacionadas a controles internos” — sem mais citar qualquer uma das 42 deficiências moderadas um ano antes.

No mesmo documento do formulário, a empresa pode comentar sobre a posição da auditoria, e o Mateus informa que vinha investindo em melhorias, e em 2020, implantou um comitê de auditoria que auxiliaria a administração a supervisionar a implementação das recomendações e melhorias indicadas pelos auditores independentes.

A Grant Thornton ficou cinco anos como auditoria da rede, e em 2025, pela regra de rotatividade obrigatória, entrou em seu lugar neste ano, a Forvis Mazars Auditores.

A nova auditoria não integra a lista das grandes desse setor, chamada “Big Four”, e não audita nenhuma das grandes varejistas abertas da bolsa, e sua entrada no Mateus aconteceu quando a empresa reanalisava os números de estoque e mudava sua política de inventário.

Nos pareceres dos balanços trimestrais de 2025, a Forvis Mazars Auditores não faz ressalvas sobre os temas em seus pareceres sobre resultados, enquanto a empresa passava pelos ajustes internos.

Procurado para comentar, o Mateus ainda não se manifestou sobre esses temas acima. A Grant Thornton informa que não comenta questões contratuais nem informações relacionadas à clientes.

Forma e conteúdo

 

Em 2024, quando esse problema com custos dos estoques começou a ser levantado, a companhia não comunicou o mercado — algo que foi acontecer na semana passada. O tema foi informado nas notas explicativas do balanço do terceiro trimestre como “Reapresentação dos saldos comparativos – CPC 23”, como parte do fortalecimento da governança e aprimoramento de controles.

Houve críticas à forma e ao conteúdo das explicações, e a ação caiu fortemente na sexta-feira (14) e nos pregões seguintes, numa possível reação à falta de transparência e visibilidade da origem dos problemas, segundo gestores e analistas ouvidos nos últimos dias.

Por exemplo, o valor de R$ 1,1 bilhão de redução de estoque se refere “aos anos passados”, disse a diretoria aos analistas na teleconferência, mas a empresa não especifica qual o intervalo de tempo, e diz que em 2024, são R$ R$ 94 milhões.

Quando chegou-se a uma hora de teleconferência na sexta-feira uma das analistas pediu explicações mais aprofundadas, solicitando detalhamento sobre o que “de fato foi a revisão de saldo financeiro” de estoques, e a empresa passou a distinguir os assuntos.

Um analista de banco diz que “os investidores não entenderam 100% dos movimentos”, afirma. “Até ficou claro o efeito prático, contábil, mas não está claro o porque disso, porque levantar isso agora? E se pode ter outros ajustes mais para frente”. E ainda se outras deficiências moderadas, identificadas anos atrás pelos auditores, na área fiscal (ponto sensível na atacadista) estão no radar da empresa, e o grupo ainda não trouxe ao mercado.

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Paralelo a isso, outro movimento aconteceu, de revisão de inventário, neste ano, pelas perdas causadas.

A empresa diz que não há a conexão entre a valorização exagerada do estoque (tema contábil) e inventários ineficientes (tema operacional), apesar de ambos serem diretamente ligados.

Sobre esse ponto, nos formulários de referência, a Grant Thornton não aborda falhas em inventário, e isso pode ocorrer por se tratar um tema de “chão de loja” de baixa visibilidade para auditores, que se atentam a questões contábeis, e recebem essas informações operacionais das áreas internas das varejistas. Se a empresa contabilizava erradamente lotes de leite ou café, ou inventariava parte das unidades recém inauguradas apenas, a auditoria poderia não identificar.

Valor apurou que, com a expansão acelerada do Mateus, havia lojas com dois anos que nunca foram inventariadas, segundo fontes. A frequência da checagem de produtos nas lojas era baixa e por amostragem. Com a abertura de dezenas de lojas ao ano, esse processo foi ficando mais lento e esporádico, a cada 4 ou 6 meses, a depender da unidade e também da categoria de produto.

Furtos e “calabresas”

 

Na teleconferência de resultados na sexta-feira (14), Tulio Queiroz, vice-presidente de finanças do Grupo Mateus, disse que a empresa precisou inibir “um bocado de processos dentro da loja de furtos”, com investimentos em tecnologia. Foi aprovado orçamento de R$ 15 milhões “para contratar mais gente para fazer mais inventários.”

“A gente teve alguns meses com perda muito grande de alguns produtos que os funcionários estavam pegando o produto mais caro e passando num código mais barato. Um exemplo é calabresa, que é o dobro do preço e sobrava a mais barata e faltava a mais cara. Já temos pegado muitas ocorrências dentro das lojas”, completou Ilson Mateus Rodrigues, presidente do conselho de administração.

A empresa ainda identificou desvio de mercadorias no fundo de lojas, na área de descarregamento de cargas. Começaram a perceber que “em algumas lojas e em alguns Estados entrava nota e não entrava produto”, disse. E não dava para identificar isso com um inventário falho, que era de quatro em quatro meses e passou a ser mensal agora, disseram.

Em relação ao seu patamar histórico, a quantidade de inventários físicos mais que dobrou no período neste ano, e um deles foi implementado em todas as lojas do grupo — algo que não era coberto por nenhum sistema até então.

Essas questões sempre foram um risco no Mateus, dizem diferentes gestores ouvidos, mas o mercado “dava um desconto, dado os resultados bons”, diz um deles. “A gente modelava e precificava a empresa num patamar que se sabia que era inconsistente”, admite um analista de banco.

“Mas após a call não ficou claro para ninguém o que de fato aconteceu. Agora todo mundo ainda tem que digerir porque é muito novo”, disse ele, ao comentar o recuo das ações.

Foi por volta dos vinte minutos da teleconferência de resultados que a diretoria financeira foi citar a valorização do estoque, e a criação de um sistema para melhor rastreabilidade. Trata-se do Kardex, um tradicional sistema que computa entradas e saídas. E então citou em seguida a questão das perdas de inventário, de produtos sendo roubados e desviados.

“Depois disso, a diretoria disse que não tem relação entre os temas de estoque e inventário? Ficou confuso”, afirmou um gestor ouvido. “E diz que o ajuste de estoque não tem efeito em caixa. Pode até não ter efeito presente, mas o estoque fixo que eles imaginariam ter, eles não tem, então terá efeito futuro de desembolso de mais caixa para recompor isso”, afirma.

Na manhã desta terça-feira, a ação volta a recuar mais de 2%, após queda de 10,2% na sexta-feira e 1,96% na segunda-feira.

Custo médio menor

 

Valor ouviu atacadistas para entender qual pode ter sido o erro no custo médio das mercadorias vendidas, algo não aberto pela direção, e há duas possibilidades principais. A direção apenas disse que não tem relação com menos quantidade estocada.

Uma das hipóteses é a empresa ter errado no cálculo dos impostos de entrada, como PIS e ICMS, o que pesa no valor final dos produtos.

“É muito fácil errar nisso se você não tem bons sistemas porque cada Estado tem regime tributário diferente e isso tem impacto no estoque”, diz um executivo da área de atacarejo.

Outra possibilidade é um erro numa linha de balanço que já deu muita dor de cabeça para varejistas, como Carrefour, Dia e Americanas: bonificações da indústria. A contabilização é pelo rateio do custo total pago pela quantidade total recebida, excluindo a bonificação, e isso reduz o custo médio unitário do estoque.

O efeito da bonificação é a redução do custo unitário do produto, o que impacta o número apenas quando os itens bonificados são vendidos. A questão pode ser como a empresa contabilizou a verba e se ela o fez antes ou depois da venda do produto.

O Mateus está arcando com uma conta após expansão expressiva, e crescimento de vários tipos de lojas (supermercados de diferentes tamanhos, atacarejos) dentro de uma complexidade tributária decorrente da entrada em novos estados do Nordeste nos últimos anos. Inclusive se favoreceu com diversos benefícios fiscais associados ao ICMS no Maranhão. Mas não teria feito toda a lição de casa, e estaria pagando parte dessa conta, na visão de pessoas que analisaram os dados publicados.

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Da Redação

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